Arquivo da categoria: Arbovírus

Fracionamento da vacina da Febre Amarela

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No início de 2018 o Brasil resolveu adotar a imunização para Febre Amarela utilizando doses fracionadas. É uma estratégia segura?

A Organização Mundial de Saúde tem uma posição bem clara sobre o assunto, disponível em seu site.

Resumidamente, os pontos mais importantes são: Continuar lendo

Vacina da febre amarela: duração da proteção

ArtigoA Single 17D Yellow Fever Vaccination Provides Lifelong Immunity; Characterization of Yellow-Fever-Specific Neutralizing Antibody and T-Cell Responses after Vaccination

hpv-vacinaAutoresRosanne W. Wieten  e mais

Local: Holanda

FontePLoS ONE 11(3): e0149871.

Estudo: Em julho de 2016 a OMS alterou suas recomendações sobre a vacinação da febre amarela, não recomendando mais reforços a cada 10 anos. Uma única dose teria a capcidade de conferir proteção por toda a vida. Vários estudos foram utilizados para embasar esta decisão. Os títulos de anticorpos neutralizantes decaem durante a vida, mas podem permanecer detectáveis por 30 a 35 anos. Como a doença não é Continuar lendo

Manifestações reumatológicas da infecção pelo Chikungunya

Artigo:Specific Management of Post-Chikungunya Rheumatic Disorders: A Retrospective Study of 159 Cases in Reunion Island from 2006-2012

virus detected 2Autores: Emilie Javelle, Anne Ribera, Isabelle Degasne, Bernard-Alex Gaüzère

Local: França

Referência: PLoS Negl Trop Dis 2015; 9(3): e0003603. doi:10.1371/journal.pntd.0003603

O estudo: Os autores coletaram retrospectivamente a experiência de seis anos no manejo de pacientes com infecção pelo vírus Chikungunya. Foram incluídos 159 pacientes com dor articular>4 meses após a infecção aguda.

Resultados: Dos 159 pacientes referidos ao serviço de Reumatologia, quatro apresentavam gota, 112 apresentavam reumatismo inflamatório crônico (CIR) pós-CHK (40 com Artrite reumatóide, 33 com Espondiloartrite inflamatória crônica e 21 com poliartrite indiferenciada). 43 apresentavam condições musculoesqueléticas crônicas, como a Continuar lendo

A vacina da Dengue e a OMS

A primeira vacina contra a Dengue foi autorizada para uso clínico no Brasil no primeiro oms-450x392semestre de 2016. A vacina tem eficácia em adultos e algumas fragilidades, especialmente em crianças, que limita o seu uso abrangente para toda a população.

Em Julho de 2016 a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou seu posicionamento com relação à vacina. Alguns pontos devem ser destacados:

  • A dengue é uma infecção clinicamente relevante, com impacto individual e econômico para nações, com grande crescimento de casos entre 1996 e 2015. Neste último ano foram relatados 3,2 milhões de casos à OMS, o que certamente sofre de um importante grau de subnotificação devido às dificuldades diagnósticas e de vigilância da doença em países com características bastante discrepantes.
  • A infecção pelo vírus da dengue confere imunidade contra o sorotipo específico. Os anticorpos produzidos contra este sorotipo transitoriamente podem proteger contra os demais sorotipos, no entanto, com o tempo, estes anticorpos, com ação não-neutralizante, fazem com que a infecção por vírus de outros sorotipos tenham acesso a células dendríticas e macrófagos – local primário de infecção pelo vírus da Dengue – facilitando a sua replicação. Este fenômeno, a amplificação dependente de anticorpos (ADE – Antibody Dependent Enhacement) tem relação com o risco de Dengue grave a partir do segundo episódio de infecção e com o fracasso de vacinas antes testadas.

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Três pontos sobre a vacina da dengue

Após anos de espera, chega uma vacina para dengue. Para melhor compreendê-la, algunas tópicos são importantes para discussão.

 

 

Quatro sorotipos e diversidade: uma vacina?

Os flavivírus em geral são vírus estáveis do ponto de vista genético. Dentre eles, o vírus da dengue é o que mais apresenta variabilidade. Há uma divergência de aproximadamente 40% entre as sequências de aminoácidos dentre os sorotipo, e cerca de 9% de mismatch dentre cada um dos sorotipos. Esta variabilidade prejudicaria o desempenho da vacina?

Uma parte da compreensão (ainda incompleta) deste assunto está na identificação da resposta induzida pela vacina, em particular daquela feitas a partir de vírus vivos atenuados. Existe uma resposta de anticorpos após imunização, em maior quantidade contra prM e NS1, mas estes anticorpos são não neutralizantes.  Há também estímulo à produção de anticorpos contra a proteína E, estes, sim, neutralizantes. O curioso é que, em ensaios clínicos, percebe-se alguma dissociação entre a produção de anticorpos e a proteção cínica e a soroconversão.  O papel da células T no Continuar lendo

Diagnóstico laboratorial da infecção aguda pelo Zika Virus

aj__nd3cEm recente recomendação de fevereiro de 2016, o CDC alerta sobre os seguintes tópicos referentes ao diagnóstico da infecção causada pelo Zika Vírus:

  1. Nos 7 primeiros dias de doença, o RT-PCR apresenta maior sensibilidade para detecção de flavivírus, ou a pesquisa do antígeno NS1 através de ELISA, especificamente no caso do vírus da dengue.
  2. A sorologia pode ser coletada a partir do 4o. dia do início dos sintomas, mas é mais sensato aguardar o 7o. dia.
  3. IgM persiste positivo por 2 a 12 semanas.IgM negativo 2 a 12 semanas após viagem para região de risco indica que não houve contágio.
  4. A interpretação de resultados positivos, em especial do IgM deve ser cautelosa, pois há reatividade cruzada com outros flavivírus, inclusive o vírus da dengue.

 

 

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Quantificação do risco de malformações em gestantes com infecção aguda causada por Zika Vírus

Artigo: Zika Virus Infection in Pregnant Women in Rio de Janeiro — Preliminary Report

Autores:Patrícia Brasil,  Jose P. Pereira, Jr., e mais

Local: Rio de Janeiro

Fonte: The new england journal of medicine 04/03/2016

Estudo: Este é o primeiro estudo epidemiológico publicado analisando os riscos da infecção pelo Zika Virus durante a gestação. Os autores seguiram 88 mulheres com diagnóstico de febre aguda durante a gestação, de setembro de 2015 a fevereiro de 2016. 72 (82%) tiveram diagnóstico de infecção pelo Zika Vírus. 37 apresentaram exantema. Com relação à semana de gestação, 17 estavam com <13 semanas, 38 entre 13 e 26 semanas e 17 entre 26 e 39 semanas de gestação.

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42 mulheres concordaram em fazer ultrassonografia para avaliação de possíveis malformações.  12(29%) apresentavam alterações ultrassonográficas:

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Um dos fetos apresentava calcificações cerebrais, mesmo a infecção tendo ocorrido na 27a. semana de gestação.

Comentários: A análise  epidemiológica de riscos é a principal ferramenta para dimensionarmos o tamanho de um certo problema.

O risco de malformação durante a gestação aqui parece assustar. Mas vamos lembrar: trata-se de um coorte com pacientes sintomáticas. O citomegalovírus está associado a um risco de malformações que varia de 2 a 5%, mas incluindo as soroconversões assintomáticas.

Este estudo, que posteriormente será lapidado por sucessores com maior tamanho amostral, e sem a pressão da necessidade, mostra um risco que não é desprezível e que justifica todas as medidas de saúde pública que estão sendo adotadas, e ainda mais.

Por que o Zika Vírus está causando tantos problemas?

A microcefalia associada ao Zika vírus causou muita comoção. Por vários fatores. Em primeiro lugar, pelo fator humano, diagnosticar um grande número de crianças que terão virus detected 2prejuízo em seu desenvolvimento futuro. Em segundo lugar, vemos escancaradas as nossas condições de saneamento básico, de organização de ações pelo estado e de distribuição de renda que pareciam estar tomando outro rumo. Em terceiro lugar, a própria existência da entidade microcefalia, pouco conhecida pela população geral, mas bem discutida em ambientes médicos.
Finalmente, a chegada de um agente infeccioso novo, desconhecido, que gerou hipóteses persecutórios quando não sobrenaturais, mas que na verdade são discutidas no meio da infectologia: as consequências do turismo, das migrações, a globalização de agentes infecciosos.
É uma surpresa vermos tantas complicações neurológicas associadas ao Zika Virus?
O Zika vírus pertence à família dos Flavivírus. Nesta família, há um grande números de vírus neuropatogênicos, incluindo o vírus da encefalite japonesa, o vírus da encefalite transmitida por carrapatos, o vírus  do oeste do Nilo, a febre amarela, e vários outros, incluindo o próprio vírus da dengue. As manifestações podem variar de encefalites, meningoencefalites a síndromes que se apresentam com paralisias, como a Síndrome de Guillan-Barré e doenças semelhantes à poliomielite. O exemplo é o da dengue, poucas vezes lembrado, resumidos numa recente revisão:

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Diagnóstico pós-natal da infecção congênita causada pelo Zika Vírus

Artigo:Interim Guidelines for the Evaluation and Testing of Infants with Possible
Congenital Zika Virus Infection — United States, 2016

Autores:J. Erin Staples,  Eric J. Dziuban e mais

Fonte:MMWR  January 29, 2016 / Vol. 65 / No. 3

Recomendações: Com toda esta emergência mundial gerada pelos casos de microcefalia associados ao zika virus, diversas medidas estão sendo aplicadas ainda sem completa definição, o que é justificável.

A rotina de diagnóstico no recém-nascido ainda não é sólida nem perfeita, mas existe um caminho que com o tempo será lapidado. Este caminho foi publicado no MMWR, no final de janeiro de 2016.

No caso de crianças nascidas com microcefalia ou calcificações, o fluxograma a ser seguido é:

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Zika vírus e microcefalia: relação que ganha consistência

Artigo: Zika Virus Associated with Microcephaly

Autores: Jernej Mlakar, Misa Korva e mais

Local: Eslovênia

Fonte: New England Journal of Medicine, 10 de Fevereiro de 2016

Editorial: NEJM

Estudo: Trata-se de um relato de caso de bebê nascido com microcefalia, cuja mãe apresentara uma infecção por Zika vírus no primeiro trimestre de gestação, após viagem para o Brasil. Ultrassonografia na 29ª. Semana de gestação evidenciou anormalidades fetais. Novo ultrassom na 32a. semana  mostrou retardo de crescimento intrauterino, fluido amniótico normal,  placenta de dimensões normais mas com calcificações, microcefalia, ventriculomegalia e diâmetro transcerebelar pequeno. Inúmeras clacificações intracranianas foram percebidas. A mãe obteve autorização judicial para interrupção da gestação. Após o parto, a única manifestação percebida foi a microcefalia. O estudo descreve as alterações macroscópicas e histopatológicas obtidas a partir da autópsia. Imunofluorescência indireta do tecido nervoso revelou reação intracitoplasmática granulosa nos locais onde havia dano às células. Microscopia eletrônica mostrou partículas virais esféricas medindo 42 a 54nm, morfologicamente compatíveis com vírus da família dos Flavivírus. PCR do tecido nervoso confirmou a presença do Zika Vírus. Os autores descrevem que, a partir do sequenciamento genético que fizeram, que o vírus brasileiro possui 99% de homologia com a linhagem asiática, de onde provavelmente evoluiu. Encontraram duas substituições maiores de aminoácidos nas proteínas não estruturais NS1 e NS4B, o que, segundo eles, pode ser um achado fortuito, ou uma mudança adaptativa que pode ser um caminho para a compreensão dos atuais problemas.

Comentário: Este estudo consolida firmemente a hipótese de que a microcefalia pode ter o Zika vírus como uma de suas causas. As hipóteses geradas na observação clínico e dados de vigilância epidemiológica vão se confirmando, derrubando teorias conspiratórias. Cabe entender agora o porquê da distribuição da doença e os fatores que levaram a este aparecimento. Como já discutido em artigo prévio, é bem possível que estejamos tratando de uma linhagem diferente do vírus, com alterações de proteínas não estruturais. Mas ainda há chão para comprovar esta hipótese.

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