Qual é a gravidade da infecção causada pelo Influenza A H1N1?

Após a pandemia de 2009, muitos conceitos ficaram marcados com relação à gripe causada pelo vírus Influenza A H1N1. O que observamos é a ideia de que que a infecção causada pelo H1N1 é mais grave que aquela causada pelos demais vírus. Se por um ponto há algo positivo, que passamos a elencar o vírus influenza como um causador de doenças graves, e não somente uma “pequena gripe” ou “resfriado”, por outro lado ainda mantemos a ideia de que necessitamos de áreas especiais de isolamento e que somente o H1N1 deve ser pesquisado nas doenças graves.  O que há de verdade nestes conceitos?

O que há de especial no H1N1?

Em primeiro lugar vamos lembrar resumidamente das mutações do vírus que Influenza, que são as maiores, mas não únicas, determinantes da gravidade.

flulengthened-c67edec1e228dd09bc1cbbfdc25fbc170b283bfa-s800-c85Um vírus circulante, por exemplo um H3N2, sofre anualmente algumas poucas variações, mutações chamadas de “drift”. Muitos indivíduos já foram expostos a este vírus circulante. Quando entram em contato com uma variante “drift” do mesmo vírus, possuem defesas parciais. Desta forma, adquirem o vírus, manifestam infecção (gripe, influenza), mas a proteção parcial reduz muito o risco de doença grave. Por isto, a mortalidade observada com o vírus não epidêmico é menor e ocorre nos extremos da vida (mortalidade em U), faixas etárias mais propensas às formas graves.

Quando ocorre uma mudança maior, de uma proteína inteira (muda-se no mínimo um H –  hemaglutinina, ou um N-neuraminidase, chamada de mutação “shift” ), como ocorreu em 2009 com o surgimento de uma cepa que carreava o H1 e o N1, o número de indivíduos sem david_custom-874ed87e9eaf90da4dd9d24d64e68081d6e2cbf0-s400-c85a proteção parcial é muito grande, razão pela qual a mortalidade aumentou, assim como a distribuição da mortalidade – em W, com um pico entre os jovens. Esta mutação é muito menos provável ou frequente, e ocorre a cada muitos anos.Somente a mudança dos antígenos H e N não explica completamente a gravidade de um vírus novo. Se assim fosse, a cada nova mutação “shift” teríamos uma nova gripe espanhola, o que não ocorre. As mutações na proteína não estrutural 1 (NS1) e a proteína básica polimerase 2 (PB2) também estão associadas à virulência. A PB1 e fragmentos de proteínas de vírus aviários erstão associados às cepas pandêmicas.

A pandemia foi tão grande como pensamos?

Dados do CDC publicados em 2012 mostram que a mortalidade associada à pandemia de 2009 (H1N1 pdm09) foi inferior a outras pandemias, mas superior à observada em cepas endêmicas. As estimativas de mortalidade  da pandemia de 1968 foram de 0.03% da população mundial, enquanto que na Gripe Espanhola de 1918 variou de  1–3%. A estimativa de mortalidade associada ao H1N1 pdm09 variou de  0.001–0.007% da população mundial (0.001–0.011% quando mortes por problemas cardiovasculares foram incluídas). Estimam-se 105,700-395,600 óbitos por causas respiratórias e 46,000-179,900 por complicações cardiovasculares. A maior parte dos óbitos ocorreu na Ásia e África.

Fatimah S Dawood, A Danielle Iuliano e mais – Estimated global mortality associated with the first 12 months of 2009 pandemic influenza A H1N1 virus circulation: a modelling study. Lancet Infect Dis 2012; 12(9): 687–695.

O que explica esta maior gravidade de um vírus pandêmico? Seria excesso de notificação?

Em primeiro lugar, sempre iremos pensar na questão da notificação aumentada durante períodos de epidemia.

Há que se pensar que a suscetibilidade individual, de origem genética, com reflexo na imunologia, poderia ser responsável pela maior gravidade. Pérez-Flores e colaboradores avaliaram a mortalidade devido ao vírus Influenza A H1N1 pdm09 e afirmaram que a mortalidade reporta deveria ser três vezes inferior à real, mesmo com as notificações aumentadas devido à tensão psicológica no México por ocasião da epidemia. Em seu estudo, que avaliou somente declarações de óbitos, muitas vezes a infecção por influenza foi considerada como fator contributivo, não como a causa do óbito. A falta de alerta dos serviços de saúde para um vírus muitas vezes visto como “leve”, a dificuldade de diferenciação com outros quadros agudos, a imensa subnotificação de quadros oligossintomáticos e a variabilidade da notificação de acordo com o grau de alerta (epidemia x endemia) demonstra o quanto são frágeis nossos dados notificados.

A questão do alerta e da dificuldade diagnóstica é tão grande, a ponto de não sabermos exatamente qual é o papel do vírus influenza na etiologia da pneumonia. A pandemia gerou esta dúvida e agora estamos começando a diagnosticar melhor estes quadros.

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Reyes e colaboradores mostraram que a presença do H1N1 está associada à maior letalidade em pneumonia. Os fatores sugestivos de infecção (ou coinfecção) foram, em seu estudo: idade, infiltrados multilobares, PCR<10mgdL e leucopenia. No entanto, estes dados devem ser vistos com racionalidade, uma vez que estudos prévios mostram a importância do diagnóstico da influenza em adultos com mais de 60 anos de idade.

Portanto, todas as estimativas de incidência, gravidade e mortalidade estão associados ao grau de alerta e notificação. Os dados de vigilância sistemática neste caso são bastante importantes.

Esebio Pérez-Flores, Juan Carlos Izquierdo-Puente e mais – Quantifying the mortality caused by the H1N1 influenza virus during the 2009 pandemic in Mexico.J Infect Dev Ctries 2014; 8(6):742-748.

S. Reyes, B. Montull e mais – Risk factors of A/H1N1 etiology in pneumonia and its
impact on mortality. Respiratory Medicine (2011) 105, 1404-1411.

O que mais explica esta maior gravidade de um vírus pandêmico?

Tentando encontrar possíveis fatores individuais genéticos que pudessem explicar a maior suscetibilidade às formas graves, que mesmo na pandemia foram uma pequena minoria, Garcia-Etxebarria e colaboradores analisaram material obtido de casos graves, leves e da população geral, e não encontraram nenhum fator genético do hospedeiro que pudesse explicar a variação de gravidade.

Os fatores de virulência do próprio Influenza também foram matéria de estudo. Além da mutação “shift”, alguns autores mostraram que a virulência de cepas do H1N1 era diferente, ou seja, que outros fatores virais conferiram maior gravidade. Em meta-análise, Goka e colaboradores evidenciaram que a mutação D222G está associada a maior gravidade (Diferença de risco: 11 %, IC 95 % : 3.0 % – 18.0 %, p = 0.004) e letalidade (DR: 23 %, IC 95: 14.0 %–31.0 %, p =0.0001). Nesta posição estão codificados os sítios de ligação da hemaglutinina. Estas mutações aparentemente atuaram em conjunto com outras, relacionadas à NS1 e PB2.

Desta forma, tanto a mudança “shift” como fatores do próprio vírus (maior ligação da proteína H, NS1 e PB2) parecem garantir maior gravidade tanto durante a pandemia como, provavelmente, depois.

E. A. Goka, P. J. Vallely e mais – Mutations associated with severity of the pandemic influenza A(H1N1)pdm09 in humans: a systematic review and meta-analysis of epidemiological evidence. Arch Virol (2014) 159:3167–3183.

Koldo Garcia-Etxebarria, María Alma Bracho e mais – No Major Host Genetic Risk Factor
Contributed to A(H1N1)2009 Influenza Severity. PLoS ONE 10(9): e0135983.

A infecção continua sendo mais grave?

À medida que mais indivíduos possuem anticorpos direcionados ao “grupo” H1N1, existe a tendência de diminuição de gravidade, o que tem sido observado. Esta afirmação foi observada na prática durante a “quarta onda” do vírus no México. Diminuição de gravidade e letalidade também foi descrita na Índia.

influenza_header2022Mas existe uma variação anual que pode ser explicada por mutantes que possuem proteínas que conferem menor ou maior virulência, como no caso da Florida no período 2013-14, onde a mutação D225G esteve associada a casos mais graves. Mas nada que se compare com o ano da pandemia propriamente dita (Iovine e colaboradores). Mesmo assim, é importante aprender que não existe garantia absoluta de redução de mortalidade ou de perfil epidemiológico, mesmo sabendo que a tendência maior é a de abrandamento progressivo.

No Brasil, os dados da OMS mostram que até 2015 houve uma redução da gravidade. Além da redução da gravidade e mortalidade, a OMS mostrou através de seus dados de vigilância que a cepa mais incidente é a H3N2, e não a H1N1. O alerta nos serviços de emergência deve ser direcionado à Influenza, e não somente ao H1N1.

De toda forma, a OMS considera imprevisível a forma com que o vírus atinge o período pós-pandêmico, e recomenda a manutenção da vigilância e alerta.

Jack Sternal, Aspen Hammond e mais – Review of the 2015 influenza season in the southern hemisphere. Weekly epidemiological record 2015, 90, 645-660. 

Víctor H. Borja-Aburto, Gerardo Chowell e mais – Epidemiological Characterization of a Fourth Wave of Pandemic A/H1N1 Influenza in Mexico, Winter 2011–2012: Age Shift and Severity. Arch Med Res. 2012 October ; 43(7): 563–570.

Vinod Kumar Mehta, Pooja Sharma, Clinico-Epidemiological Profile, Pandemic Influenza A H1N1/2009 and Seasonal Influenza, August 2009-March 2013, Himachal Pradesh, India. Indian J Community Med. 2016 Jan-Mar; 41(1): 69–71. 

Nicole M. Iovine, J. Glenn Morris, Jr. e mais – Severity of Influenza A(H1N1) Illness and Emergence of D225G Variant, 2013–14 Influenza Season, Florida, USA. Emerg Infect Dis 2015; 21(4):

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3 pensamentos sobre “Qual é a gravidade da infecção causada pelo Influenza A H1N1?

  1. Avatar de Gloria
    Gloria 30 de março de 2016 às 01:11 Reply

    Excelente revisão
    Parabéns

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  2. Avatar de michael deveza
    michael deveza 3 de abril de 2016 às 13:16 Reply

    Parabéns pelo texto. As medidas de prevenção e alertas devem ser utilizadas. Mas e a vacinação? Deve ser para todos? Qual o melhor período para começar? Qual a melhor combinação de cepas imunizantes?

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    • Avatar de Infectologista
      Infectologista 3 de abril de 2016 às 14:45 Reply

      Hoje a vacinação é direcionada para o grupo de maior risco para desenvolvimento de complicações. É uma excelente discussão a ampliação/universalização da vacina.

      As mutações ‘drift’ são inúmeras, seria impossível uma vacina contendo todas elas. Através de projetos de vigilância, são incluídas na formulação da vacina do hemisfério sul aquelas prevalentes no último inverno no hemisfério norte. E vice versa.

      Está em desenvolvimento uma vacina ‘universal’ que atingiria antígenos mais estáveis , presentes em todas as variantes do influenza a. Mas é conversa para daqui a alguns anos.

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