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Qual é a melhor abordagem para prevenção de disseminação de agentes multirresistentes?

Artigo: Antibiotic stewardship and horizontal infection control are more efective than screening, isolation and eradication figure_1_43_hook_the_glove

Autores: S. W. Lemmen & K. Lewalter

Local: Aachen, Germany

Fonte: Infection (2018). https://doi.org/10.1007/s15010-018-1137-1

Estudo: Os autores revisaram a literatura buscando comparar as abordagens clássica (Rotinas de controle de infecção incluindo a higienização das mãos) versus a abordagem ‘nova’ (Descolonização e precauções mediante culturas de vigilância). Os resultados podem ser sumarizados na tabela que eles trazem:

 

Estratégia tradicional
  Vantagens Desvantagens
Screening (cultura de vigilância Promove adesão às normas de controle de infecção Em standard nacional/ internacional
  Detecta pórtadores assintomáticos (reservatórios) Sensibilidade limitada das culturas
  Responde às demandas e ansiedades de pacientes e gestores Custo benefício question[avel
  Gera documentação legal de atuação preventiva Definição arbitrária de aquisição comunitária/ hospitalar
Erradicação Diminui risco de transmissão por diminuição de reservatórios Alta recorrência em MRSA (40%)
  Diminui risco de infecção em colonizados Baixa eficácia em enterococos e bacilos gram-negativo, o que para o Brasil é um grande problema
    Promoção de uso de polimixina para descolonização
Isolamento Promove adesão às normas de controle de infecção Não resulta em diminuição de colonização ou infecção
  Bem aceito nos serviços de saúde Menor número de visitas de profissionais no período de isolamento
  Pacote (bundles) com medidas bem definidas Suspensão das precauções não aumenta taxa de infecção
    Aumento no número de erros médicos e eventos adversos preveníveis
    Maior ansiedade e depressão em pacientes isolados
    Adesão às medidas de controle de infecção pode diminuir em diversas situações
    Estigmatização de pacientes
    Aumento de gastos com equipamentos (além da diminuição de oferta de leitos)
Estratégia nova
  Vantagens Desvantagens
Racionalização de antimicrobianos Redução no número de bactérias MDR Disponibilidade limitada de infectologistas em algumas áreas
  Redução na ocorrência de C. difficile Aumento no custo com pessoal
  Adesão a guidelines bem evidenciada em literatura  
  Redução na duração da antibioticoterapia  
  Redução de custos  
  Integração com necessidades administrativas de racionalização de custos  
Higienização das mãos com antissépticos Evidências de redução de colonização Riscos de resistência a antissépticos (clorexidina)
  Benefícios com relação à transmissão de patógenos sensíveis Efeitos adversos da clorexidina
  Menor tempo gasto com higienização comparado com água e sabão  
Higienização das mãos como meta Diminuição de MDR Dificuldade para aumentar adesão
  Diminuição das taxas de infecção Tempo para treinamento e promoção de adesão
  Benefícios com relação à transmissão de patógenos sensíveis Custo de novas tecnologias para monitoramento

Comentários: As estratégias de descolonização e de precauções de contato são bastante utilizadas para a prevenção de disseminação de agentes multirresistentes (MDR), são vistas como obrigatórias e essenciais, e até mesmo inseridas como padrão de qualidade e segurança por algumas certificadoras. No entanto, como já apresentado aqui diversas vezes, a evidência mostra que o uso sistemático destas medidas é pouco ou nada eficaz, a depender das características da instituição, e está associado a aumento de risco para pacientes, por aumento de eventos adversos devido ao prejuízo das atividades normais do hospital.

A conclusão mais marcante desta revisão complementa aquilo que já foi apresentado. Culturas de vigilância, precauções de contato e descolonização são alternativas para situações pontuais. Estas medidas não devem ser a base da atuação da CCIH para prevenção da disseminação de MDR, e muito menos devem ser padrão de segurança para certificação hospitalar.

Como medidas mais eficazes temos dois grupos de ações: a) Ações administrativas, promovendo área física apropriada, evitando sobrecarga de profissionais e superlotação e estimulando uma cultura institucional que promova resultados satisfatórios tendo o paciente como centro; b) Ações específicas da CCIH, incluindo organização e promoção de ações que vá além de aulinhas e treinamentos (com envolvimento e participação efetiva dos profissionais da instituição, e não CCIH de gabinete) e um programa verdadeiro de racionalização de antimicrobianos, não uma rotina burocrática de resposta a fichinhas, voltado exclusivamente para os antibióticos mais novos, ou seja, após o problema consumado.

E se suspendessemos as precauções de contato para MDR?

ArtigoProspective Validation of Cessation of Contact Precautions for Extended-Spectrum β-Lactamase–Producing Escherichia coli

precaucionAutores: Sarah Tschudin-Sutter, Reno Frei, Friedbert Schwahn, Milanka Tomic, Martin Conzelmann, Anne Stranden, Andreas F. Widmer

Local: Basel, Suíca

Fonte: Emerging Infectious Diseases  Vol. 22, No. 6, June 2016

Estudo: Como já discutido em outras postagens, as precauções de contato para agentes  multirresistentes é Continuar lendo

Uso de máscaras para prevenção de infecção em pacientes transplantados

Artigo: Universal Mask Usage for Reduction of Respiratory Viral Infections After Stem Cell Transplant: A Prospective Trial

Autores: Anthony D. Sung e maisk4874675

Local: Carolina do Norte, EUA

Fonte: Clinical Infectious Diseases 2016;63(8):999–1006

Estudo: Além das precauções utilizadas para pacientes submetidos a transplante de medula óssea, os autores investigaram o uso obrigatório de máscaras cirúrgicas como parte das precauções padrão nesta população.O estudo teve um desenho Continuar lendo

Precauções de contato para agentes multirresistentes (MDR): benefício ou mito?

Artigo:  Effectiveness of contact precautions against multidrugresistant organism transmission in acute care: a systematic review of the literature

Autores: C.C. Cohen, B. Cohen, J. Shangprecaucion

Local:  Columbia University School of Nursing, New York

Fonte:  Journal of Hospital Infection 90 (2015): 275-284

O estudo:  Meta-análise avaliando a efetividade das precauções de contato na prevenção de disseminação dos MDR. Foram incluídos artigos avaliando agentes multirresistentes (senso amplo) e precauções de contato.

Resultados:  De 284 estudos selecionados, somente 6 eram minimamente avaliáveis. Todos Continuar lendo

Eventos adversos relacionados às precauções de contato

Artigo:  Impact of contact precautions on falls, pressure ulcers and transmission of MRSA and VRE in hospitalized patients

Autores: S. Gandra a, C.M. Barysauskas, D.A. Mack, B. Barton, R. Finberg, R.T. Ellison III

Local:  Massachusetts

Fonte:  Journal of Hospital Infection 88 (2014) 170e176

O estudo:  Comparativo, analisando os indicadores: quedas e úlceras de pressão em portadores e não portadores de MRSA/VRE. Os dados foram ajustados por gravidade.O estudo também analisou (embora não fosse o objetivo principal) a taxa de colonização pelos agentes citados.

Resultados:  Foi observada uma queda progressiva na colonização, que não pode ser atribuída somente às precauções, porque foi implementado um pacote, incluindo conscientização. Esta conscientização Continuar lendo

Infecções associadas a animais domésticos

dog_kissing_-2-600x400Os animais domésticos estão cada vez mais dentro da vida das pessoas. Não só numa função utilitária, mas afetiva. Existe uma nova ética na relação entre homens e animais. Uma nova mentalidade. Independente das grandes evoluções que esta relação comporta, uma maior integração do ser humano com seu ambiente, é importante a análise de alguns aspectos que surgem como efeito colateral desta nova forma de relação.

Cães e gatos não são seres humanos, têm necessidades específicas e, o que nos interessa neste momento, apresentam uma ecologia diferente dos seres humanos. Carregam uma microbiota própria à qual estão habituados e que não necessariamente se adapta da mesma forma ao ecossistema humano. Ao humanizarmos os animais, incorporarmos nossos hábitos e intimidades à rotina destes animais, estamos nos expondo (e expondo aos animais) a uma quebra de paradigma evolucionária, microbiológica. Existem riscos associados à forma com que estamos lidando com os animais?

Infecções tradicionalmente associadas aos animais domésticos

Alguns riscos são conhecidos, entre eles o de doenças hoje controláveis através de imunização (ex. raiva, leptospirose), aquelas cujos cães são hospedeiros (ex. leishmaniose) e principalmente mordeduras e arranhaduras.

Mordeduras – Os animais, tanto cães quanto gatos, apresentam uma microbiota oral diferente dos humanos. Eles podem carrar a Pastereulla multocida, uma bactéria particularmente agressiva para seres humanos. Os riscos de infecção são elevados, e a profilaxia é recomendada de acordo com critérios definidos. Entre estes critérios estão: Continuar lendo

Que máscara usar para prevenção da Influenza?

Artigo: Surgical Mask vs N95 Respirator for Preventing Influenza Among Health Care Workers.

Autores: Mark Loeb; Nancy Dafoe; James Mahony; e mais.

Local: Canada

Fonte: JAMA. 2009; 302(17): 1865-1871.

3m-8210-n95-disposable-particulate-respirator-masksO estudo: Foi realizado em 8 hospitais terciários de Ontario, Canada. 446 enfermeiros de Serviços de Emergência, UTI e Unidades Clínicas e Pediátricas. 446 enfermeiros foram randomizxados para usar máscaras cirúrgicas ou respiradores N95. Segundo protocolo local da época (Devido ao surto de SARS) os profissionais deveriam utilizar máscaras caso se aproximassem <1m de pacientes com doenças febris agudas, ou síndromes respiratórias agudas. O desfecho primário foi o desenvolvimento de infecção por Influenza, comprovada laboratorialmente. Os desfechos secundários foram a detecção de outros vírus respiratórios.

Resultado: 225 enfermeiros foram randomizados para utilizar máscaras cirúrgicas e 221
para respiradores N95. Os resultados indicaram que a proteção conferida Continuar lendo

Luvas de látex com talco: posição do FDA

latex20powdered20non20sterileNos últimos anos, cada vez mais observamos o uso de luvas que já são fabricadas com talco, no intuito de se facilitar o uso. No dia 21/03/2016 o Food and Drug Administration (FDA) propôs o banimento destas luvas. Os eventos adversos que levaram a esta proposta foram:

  • Inflamação das vias aéreas
  • Inflamação da ferida
  • Aderências pós-operatórias.

Esta proposta ainda está sob avaliação, mas de toda forma, em caso de uso, é importante a vigilância estrita visando a observação de possíveis eventos adversos.

 

Precauções de contato para MRSA: tirando o avental

Artigo:  Degowning the controversies of contact precautions for methicillin-resistant Staphylococcus aureus: A review

Autores:  Ravina Kullar,Angela Vassallo, Teena Chopra, Keith S. Kaye, Sorabh Dhar

Local:  EUA

Fonte:  American Journal of Infection Control 44 (2016) 97-103

A revisão: O artigo é uma revisão sistemática sobre a efetividade das precauções de contato sobre a colonização por MRSA.

Efeitos sobre a colonização por MRSA e desfechos em pacientes com precauções de contato

Os autores afirmaram que há evidência da efetividade em situações de surtos ou de alta adesão), mas criticaram os resultados, dizendo que durante um surto as precauções de contato não são as únicas intervenções (ou variáveis) potencialmente determinantes de resolução. Em situações de ‘normalidade’, ou seja, Continuar lendo

Prions e doenças neurológicas: Alzheimer e Parkinson são transmissíveis?

Artigo:  Is there a risk of prion‑like disease transmission by Alzheimer or Parkinson‑associated protein particles?

Autores:  Michael Beekes, Achim Thomzig, Walter J. Schulz-Schaeffer, Reinhard Burger

Local:  University Medical Center Goettingen

Fonte:  Acta Neuropathol. 2014; 128(4): 463–476.

A revisão:  Este artigo de revisão é particularmente abrangente, abordando desde o mecanismo de infecção e transmissão de príons, até os aspectos clínicos e epidemiológicos.

As evidências para associação entre Doença de Alzheimer (DA) e príons são cada vez mais fortes. Em 80% dos casos é possível observar-se acúmulo amiloide e também acúmulo de agregados de TAU, que não é um achado específico. No caso da Doença de Parkinson (DP), a doença tem um padrão de progressão típico, geralmente mostrando progressão por áreas contíguas, e há também deposição e acúmulo de proteínas (PrPTSE).

A| grande questão para o infectologista é: estas doenças são transmissíveis? Os elementos que hoje dispomos são:

  1. As doenças classicamente causadas por príons são transmissíveis
  2. Experimentos com animais (roedores) mostraram que é possível a recuperação, em animais expostos, de proteínas alteradas, que estão associadas a formas familiares de DA, DP e demência frontotemporal.
  3. Nenhum destes estudos com roedores mostrou evidência cerebral de neurodegeneração cerebral, declínio cognitivo ou desenvolvimento de doença fatal.

Estes achados foram muito parecidos com aqueles encontrados em estudos realizados com primatas, que são um modelo mais adequado. As proteínas pesquisadas foram a TAU e α‑Synucleina.

tumblr_ml3gobAjZq1rlxtnvo1_540Estudos epidemiológicos não sugerem a transmissão inter-humanos. Um destes estudos foi realizado com 6000 hemofílicos, mostrando que mesmo os politransfundidos não apresentavam maior risco de doenças neurodegenerativas.

Comentários: Hoje existem evidências cada vez maiores da associação de príons (ou proteínas similares a príons) com doenças neurológicas comuns, como a DP e alguns casos de DA. Mesmo a temida Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) parece ser causada por proteínas autorreplicativas. Caso confirmado, este assunto será particularmente importante para o infectologista que deverá se envolver no conhecimento e recomendações a respeito da transmissibilidade destas doenças. A evidência atual é de que não há transmissão, mas é necessário acompanhamento bem próximo da literatura, que deverá elucidar este assunto definitivamente nos próximos recentes anos.