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A vacina da Dengue e a OMS

A primeira vacina contra a Dengue foi autorizada para uso clínico no Brasil no primeiro oms-450x392semestre de 2016. A vacina tem eficácia em adultos e algumas fragilidades, especialmente em crianças, que limita o seu uso abrangente para toda a população.

Em Julho de 2016 a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou seu posicionamento com relação à vacina. Alguns pontos devem ser destacados:

  • A dengue é uma infecção clinicamente relevante, com impacto individual e econômico para nações, com grande crescimento de casos entre 1996 e 2015. Neste último ano foram relatados 3,2 milhões de casos à OMS, o que certamente sofre de um importante grau de subnotificação devido às dificuldades diagnósticas e de vigilância da doença em países com características bastante discrepantes.
  • A infecção pelo vírus da dengue confere imunidade contra o sorotipo específico. Os anticorpos produzidos contra este sorotipo transitoriamente podem proteger contra os demais sorotipos, no entanto, com o tempo, estes anticorpos, com ação não-neutralizante, fazem com que a infecção por vírus de outros sorotipos tenham acesso a células dendríticas e macrófagos – local primário de infecção pelo vírus da Dengue – facilitando a sua replicação. Este fenômeno, a amplificação dependente de anticorpos (ADE – Antibody Dependent Enhacement) tem relação com o risco de Dengue grave a partir do segundo episódio de infecção e com o fracasso de vacinas antes testadas.

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Três pontos sobre a vacina da dengue

Após anos de espera, chega uma vacina para dengue. Para melhor compreendê-la, algunas tópicos são importantes para discussão.

 

 

Quatro sorotipos e diversidade: uma vacina?

Os flavivírus em geral são vírus estáveis do ponto de vista genético. Dentre eles, o vírus da dengue é o que mais apresenta variabilidade. Há uma divergência de aproximadamente 40% entre as sequências de aminoácidos dentre os sorotipo, e cerca de 9% de mismatch dentre cada um dos sorotipos. Esta variabilidade prejudicaria o desempenho da vacina?

Uma parte da compreensão (ainda incompleta) deste assunto está na identificação da resposta induzida pela vacina, em particular daquela feitas a partir de vírus vivos atenuados. Existe uma resposta de anticorpos após imunização, em maior quantidade contra prM e NS1, mas estes anticorpos são não neutralizantes.  Há também estímulo à produção de anticorpos contra a proteína E, estes, sim, neutralizantes. O curioso é que, em ensaios clínicos, percebe-se alguma dissociação entre a produção de anticorpos e a proteção cínica e a soroconversão.  O papel da células T no Continuar lendo

Zika vírus na gestação: Duas recomendações

Duas recentes recomendações abordaram o risco de malformações fetais relacionadas ao Zika Vírus. Uma delas brasileira, da Sociedade de Infectologia do Estado do Rio de Janeiro (SIERJ), outra do Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC) americano

SIERJ

A SIERJ preparou resposta rápida e contundente ao problema, que ainda é novo e que ainda demanda muitas resposta. Boa parte das recomendações se referem à saúde pública e à ação das entidades oficiais. Mas é muito prudente e sensata suas recomendações sobre o uso de repelentes, transcrita abaixo:

Além das medidas de controle vetorial no peri e intradomicílio, que possuem abrangência mais coletiva, a principal medida profilática individual contra o Aedes aegypti e as doenças por ele transmitidas é o uso contínuo de repelentes potentes e de ação prolongada, sobretudo nos horários de pico do repasto sanguíneo deste vetor e nos períodos de surtos, epidemias e de maior sazonalidade dessas doenças, quando a população vetorial aumenta.

Em Nota Recente do Ministério da Saúde, intitulada ‘Uso de Repelentes de Inseto durante a Gravidez’, que faz menção à Resolução vigente RDC nº 19, de 10 de abril de 2013, é dito que “além do DEET (N,N-Dietil-Meta-Toluamida ou N,N-Dietil-3-Metilbenzamida), no Brasil são utilizadas em cosméticos as substâncias repelentes Hydroxyethylisobutylpiperidinecarboxylate (Icaridina ou Picaridina) e Ethylbutylacetylaminopropionate(EBAAP ou IR3535), além de óleos essenciais como Citronela, Andiroba e outros”.

A SIERJ entende que ao citar óleos cosméticos de Citronela e Andiroba como “repelentes que podem ser utilizados por gestantes, considerando a possível relação entre o Zika vírus e os casos de microcefalia diagnosticados no país”, o Ministério da Saúde assume uma recomendação errônea e em dissonância das evidências científicas, posto que:

  1. a) Repelentes à base de Citronela e outros compostos botânicos (ex: EucaliptoLimão, Andiroba, Óleo de Cravo) são muito voláteis, evaporam rapidamente e conferem proteção contra o A. aegypti com durabilidade inferior a 20 minutos (N Engl J Med 2002; 347(1): 13-18; Trav Med Infect Dis 2013; 11: 374-411). Além disto, estes compostos “naturais” não possuem comprovação de eficácia nem a aprovação pela ANVISA para este fim e estão relacionados a casos de reações alérgicas eczematosas. b) Embora os repelentes à base de DEET sejam eficazes e possam ser utilizados em grávidas e crianças com mais de 2 anos de idade (nota de bula – Brasil), as concentrações consideradas adequadas para proteção prolongada estão entre 20 e 50% (Fonte: Yellow Book 2016. Centers for  DiseaseControlandPrevention/CDC ), muito além das concentrações existentes nas apresentações comercializadas no Brasil, que variam entre 6 e 14,5% (marcas Off® e Repelex®), com proteção inferior a 2 horas, o que requer retoques frequentes e maior risco de toxicidade. Não existe produto registrado junto à ANVISA com concentração de DEET superior a 15%, devido ao risco potencial de encefalopatia tóxica observada em crianças com menos de dez anos de idade que usaram DEET em concentrações maiores ou maior frequência (N Engl J Med 2002; 347(1): 13-18; TravMedInfectDis 2013; 11: 374-411). Ademais, já existe descrição na literatura de desenvolvimento de resistência do A. aegypti ao DEET após exposição prévia recente, sugerindo a presença de fatores não-genéticos como mecanismo de dessensibilização do vetor (PLOS ONE 2013; 8(2)). c) Da mesma forma, repelentes a base de IR3535 (EtilButilacetilaminopropionato – Loção antimosquitoJohnson’s®) apresentam eficácia e durabilidade de ação inferiores ao DEET, embora estejam liberados para uso em grávidas e crianças maiores que 6 meses de vida (nota de bula – Brasil). Em trabalho publicado pela New  nglandJournalof Medicine em julho de 2002, Fradin e colaboradores demonstraram uma proteção de apenas 23 minutos, quando em uso das apresentações comerciais de IR3535 a 7,5%. d) A Icaridina (Picaridina, KBR 3023), comercializada no Brasil com o nome de Exposis® (Laboratório Osler) nas concentrações de 20-25%, tem demonstrado a maior potência e durabilidade em vários trabalhos científicos, com tempo de ação de até 10 horas, em locais de clima mais ameno. Requer menor número de aplicações diárias (3 a 4, em locais de clima tropical, dependendo do grau de sudorese) e também está relacionada à menor ocorrência de reações alérgicas eczematosas. Não obstante, e por este motivo, é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como a primeira opção de repelente em áreas endêmicas para malária, que tem no gênero Anopheles o seu vetor, além de possuir excelente ação sobre o gênero Aedes. Pode ser usada com segurança em gestantes e crianças acima de dois anos de idade (nota de bula), com apresentação pediátrica disponível, inclusive (Obs: segundo o Yellow Book – CDC, pode ser usada com segurança a partir dos 2 meses de vida). No entanto, possui alto custo (em torno de R$ 50,00 ou mais) e é difícil de ser encontrada nas farmácias convencionais.

Pelo exposto, diante do aumento no número de casos de microcefalia e GuillainBarré relacionados à Zika virose em nosso país, e já antecipando a ocorrência de novos casos com a chegada das chuvas de verão, a SIERJ corrobora e apóia ação do Ministro da Saúde na divulgação sobre a produção e distribuição gratuita de repelentes para as gestantes do país, em parceria com o laboratório do Exército. No entanto, ressalta a importância do uso do repelente mais adequado nos quesitos eficácia e tempo de ação, onde a Icaridina se destaca como a melhor, dada as concentrações subótimas de DEET e IR3535 aprovadas pela ANVISA e comercializadas no território Nacional.

CDC

Além de toda a discussão sobre a doença, o CDC propõe o seguinte fluxograma de conduta:

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É fácil diagnosticar a infecção pelo Zika vírus?

Após as notícias sobre a relação entre a infecção pelo Zika vírus e o desenvolvimento de microcefalia, a pergunta é: estamos preparados para fazer o diagnóstico.

Aqui vão as características que diferenciam as três doenças transmitidas pelo Aedes aegypti:

Dengue

O quadro clínico é muito variável. A primeira manifestação é a febre alta (39° a 40°), de início abrupto, seguida de cefaléia, mialgia, prostração, artralgia, anorexia, astenia, dor retroorbital, náuseas, vômitos, exantema e prurido cutâneo. Hepatomegalia dolorosa pode ocorrer, ocasionalmente, desde o aparecimento da febre. Alguns aspectos clínicos dependem, com freqüência, da idade do paciente. A dor abdominal generalizada pode ocorrer, principalmente nas crianças. Os adultos podem apresentar pequenas manifestações hemorrágicas, como petéquias, epistaxe, gengivorragia, sangramento gastrointestinal, hematúria e metrorragia. A doença tem uma duração de 5 a 7 dias. Com o desaparecimento da febre, há regressão dos sinais e sintomas, podendo ainda persistir a fadiga. Existe também o quadro da dengue grave, incluindo Continuar lendo