Artigos:
Gregorius J. Sips, Jan Wilschut and Jolanda M. Smit – Neuroinvasive flavivirus infections. Rev. Med. Virol. 2012; 22: 69–87
Jason A. Tetro – Zika and microcephaly: causation, correlation, or coincidence? Microbes and Infection 2016 – in press.
Num momento em que as informações ainda são preliminares, e que boatos estão se transformando em verdade rapidamente, é importante pontuar as informações disponíveis para se promover uma tomada de decisões mais lúcida. Dois artigos ajudam esta reflexão.
Neuroinvasividade dos flavivírus
O que é importante ver nesta já não tão nova revisão é que o neurotropismo dos vírus da família dos flavivírus não é nenhuma novidade. Temos várias revisões e estudos específicos sobre manifestações neurológicas da dengue, mas outros vírus desta família possuem características de neurotropismo: Além da dengue (DEN), vírus da encefalite japonesa (JEV), vírus do oeste do Nilo (WNV), vírus da encefalite associada a picada de carrapato (TBEV), e agora o próprio zika vírus.
O mecanismo da disseminação do vírus para o sistema nervoso central pode ser hematogênico (JEV,WNV, DEN, TBEV) ou por transporte axonal (JEV, WNV, TBEV). A patologia pode revelar apoptose ou lesão direta, e há participação de fatores do hospedeiro (CCR5 e OAS). Há evidências em alguns estudos de fatores imunológicos (correlação negativa entre quantidade de vírus e extensão das lesões). O que há de muito diferente com o zika é que, além do neurotropismo, bastante possível pela correlação com demais membros da família, é sua passagem transplacentária e infecção fetal. Este é um fato menos relatado para a família de vírus a qual ele faz parte.

Microcefalia: causa, coincidência ou cofator?
Este pequeno editorial tenta trazer uma reflexão mais lúcida. Ele começa fazendo um histórico, relatando que o neurotropismo do zika vírus (ZV) já era conhecido desde 1952, em estudos com cobaias. Em 1972, outro autor mostrou que o vírus era capaz de cruzar a barreira hematoencefálica, infectando neurônios e células da glia num provável processo de autofagia. Esta autofagia ainda não foi completamente demonstrada para o ZV em nenurônios, mas sim em fibroblastos. Caso a autofagia seja demonstrada em células do sistema nervoso, a associação entre ZV e microcefalia ficará mais consistente.
Um dos fatores celulares associados à microcefalia é a proliferação de centrossomos. O aumento do número destas organelas retarda a ocorrência de mitoses e promove apoptose, além de outros distúrbios do desenvolvimento do SNC.
Caso fique demonstrada a associação, é importante lembrar que outros defeitos de formação serão esperados, uma vez que defeitos no centrossomos, instabilidade cromossômica e autofagia estão implicados em outros processos de malformações.
Os autores não abordam os estudos epidemiológicos, que foram a principal base para se fortalecer a hipótese da associação, mas aponta que é preciso conhecer com mais detalhe os mecanismos envolvidos na tentativa de se responder qual é a forma de associação entre ZV e microcefalia.
Independente de qualquer questionamento, e possíveis evoluções posteriores, confirmando ou relativizando papel do Zika Vírus na gênese de casos de microcefalia, as medidas imediatas são necessárias e inquestionáveis, não é perdoável omissão pela dúvida numa situação grave como esta. Nos próximos meses ou breves anos, teremos respostas mais precisas.
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