Arquivo da categoria: Infecções em atenção primária

Dose do antiviral no tratamento do herpes zoster

Artigo:  Higher dose versus lower dose of antiviral therapy in the treatment of herpes zoster infection in the elderly: a matched retrospective population-based cohort study

Autores:  Ngan N Lam, Jamie L Fleet, Eric McArthur, Peter G Blake e Amit X Garg

Local:  Western University, London

Fonte:  BMC Pharmacology and Toxicology 2014, 15:48

O estudo: Os autores realizaram um coorte retrospectivo baseado nos registros computadorizados do sistema de saúde, comparando uso de aciclovir em dose alta (n=23256) e dose baixa (n=3876). Os desfechos observados foram: Primário – hospitalização em 30 dias com CT sugerindo neurotoxicidade; Secundário – óbito por qualquer causa em trinta dias. Foram analisados subgrupos (IRC, sexo, idade, antiviral).

hzv dose

Resultados:  A incidência de neurotoxicidade foi Continuar lendo

Zika vírus na gestação: Duas recomendações

Duas recentes recomendações abordaram o risco de malformações fetais relacionadas ao Zika Vírus. Uma delas brasileira, da Sociedade de Infectologia do Estado do Rio de Janeiro (SIERJ), outra do Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC) americano

SIERJ

A SIERJ preparou resposta rápida e contundente ao problema, que ainda é novo e que ainda demanda muitas resposta. Boa parte das recomendações se referem à saúde pública e à ação das entidades oficiais. Mas é muito prudente e sensata suas recomendações sobre o uso de repelentes, transcrita abaixo:

Além das medidas de controle vetorial no peri e intradomicílio, que possuem abrangência mais coletiva, a principal medida profilática individual contra o Aedes aegypti e as doenças por ele transmitidas é o uso contínuo de repelentes potentes e de ação prolongada, sobretudo nos horários de pico do repasto sanguíneo deste vetor e nos períodos de surtos, epidemias e de maior sazonalidade dessas doenças, quando a população vetorial aumenta.

Em Nota Recente do Ministério da Saúde, intitulada ‘Uso de Repelentes de Inseto durante a Gravidez’, que faz menção à Resolução vigente RDC nº 19, de 10 de abril de 2013, é dito que “além do DEET (N,N-Dietil-Meta-Toluamida ou N,N-Dietil-3-Metilbenzamida), no Brasil são utilizadas em cosméticos as substâncias repelentes Hydroxyethylisobutylpiperidinecarboxylate (Icaridina ou Picaridina) e Ethylbutylacetylaminopropionate(EBAAP ou IR3535), além de óleos essenciais como Citronela, Andiroba e outros”.

A SIERJ entende que ao citar óleos cosméticos de Citronela e Andiroba como “repelentes que podem ser utilizados por gestantes, considerando a possível relação entre o Zika vírus e os casos de microcefalia diagnosticados no país”, o Ministério da Saúde assume uma recomendação errônea e em dissonância das evidências científicas, posto que:

  1. a) Repelentes à base de Citronela e outros compostos botânicos (ex: EucaliptoLimão, Andiroba, Óleo de Cravo) são muito voláteis, evaporam rapidamente e conferem proteção contra o A. aegypti com durabilidade inferior a 20 minutos (N Engl J Med 2002; 347(1): 13-18; Trav Med Infect Dis 2013; 11: 374-411). Além disto, estes compostos “naturais” não possuem comprovação de eficácia nem a aprovação pela ANVISA para este fim e estão relacionados a casos de reações alérgicas eczematosas. b) Embora os repelentes à base de DEET sejam eficazes e possam ser utilizados em grávidas e crianças com mais de 2 anos de idade (nota de bula – Brasil), as concentrações consideradas adequadas para proteção prolongada estão entre 20 e 50% (Fonte: Yellow Book 2016. Centers for  DiseaseControlandPrevention/CDC ), muito além das concentrações existentes nas apresentações comercializadas no Brasil, que variam entre 6 e 14,5% (marcas Off® e Repelex®), com proteção inferior a 2 horas, o que requer retoques frequentes e maior risco de toxicidade. Não existe produto registrado junto à ANVISA com concentração de DEET superior a 15%, devido ao risco potencial de encefalopatia tóxica observada em crianças com menos de dez anos de idade que usaram DEET em concentrações maiores ou maior frequência (N Engl J Med 2002; 347(1): 13-18; TravMedInfectDis 2013; 11: 374-411). Ademais, já existe descrição na literatura de desenvolvimento de resistência do A. aegypti ao DEET após exposição prévia recente, sugerindo a presença de fatores não-genéticos como mecanismo de dessensibilização do vetor (PLOS ONE 2013; 8(2)). c) Da mesma forma, repelentes a base de IR3535 (EtilButilacetilaminopropionato – Loção antimosquitoJohnson’s®) apresentam eficácia e durabilidade de ação inferiores ao DEET, embora estejam liberados para uso em grávidas e crianças maiores que 6 meses de vida (nota de bula – Brasil). Em trabalho publicado pela New  nglandJournalof Medicine em julho de 2002, Fradin e colaboradores demonstraram uma proteção de apenas 23 minutos, quando em uso das apresentações comerciais de IR3535 a 7,5%. d) A Icaridina (Picaridina, KBR 3023), comercializada no Brasil com o nome de Exposis® (Laboratório Osler) nas concentrações de 20-25%, tem demonstrado a maior potência e durabilidade em vários trabalhos científicos, com tempo de ação de até 10 horas, em locais de clima mais ameno. Requer menor número de aplicações diárias (3 a 4, em locais de clima tropical, dependendo do grau de sudorese) e também está relacionada à menor ocorrência de reações alérgicas eczematosas. Não obstante, e por este motivo, é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como a primeira opção de repelente em áreas endêmicas para malária, que tem no gênero Anopheles o seu vetor, além de possuir excelente ação sobre o gênero Aedes. Pode ser usada com segurança em gestantes e crianças acima de dois anos de idade (nota de bula), com apresentação pediátrica disponível, inclusive (Obs: segundo o Yellow Book – CDC, pode ser usada com segurança a partir dos 2 meses de vida). No entanto, possui alto custo (em torno de R$ 50,00 ou mais) e é difícil de ser encontrada nas farmácias convencionais.

Pelo exposto, diante do aumento no número de casos de microcefalia e GuillainBarré relacionados à Zika virose em nosso país, e já antecipando a ocorrência de novos casos com a chegada das chuvas de verão, a SIERJ corrobora e apóia ação do Ministro da Saúde na divulgação sobre a produção e distribuição gratuita de repelentes para as gestantes do país, em parceria com o laboratório do Exército. No entanto, ressalta a importância do uso do repelente mais adequado nos quesitos eficácia e tempo de ação, onde a Icaridina se destaca como a melhor, dada as concentrações subótimas de DEET e IR3535 aprovadas pela ANVISA e comercializadas no território Nacional.

CDC

Além de toda a discussão sobre a doença, o CDC propõe o seguinte fluxograma de conduta:

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É fácil diagnosticar a infecção pelo Zika vírus?

Após as notícias sobre a relação entre a infecção pelo Zika vírus e o desenvolvimento de microcefalia, a pergunta é: estamos preparados para fazer o diagnóstico.

Aqui vão as características que diferenciam as três doenças transmitidas pelo Aedes aegypti:

Dengue

O quadro clínico é muito variável. A primeira manifestação é a febre alta (39° a 40°), de início abrupto, seguida de cefaléia, mialgia, prostração, artralgia, anorexia, astenia, dor retroorbital, náuseas, vômitos, exantema e prurido cutâneo. Hepatomegalia dolorosa pode ocorrer, ocasionalmente, desde o aparecimento da febre. Alguns aspectos clínicos dependem, com freqüência, da idade do paciente. A dor abdominal generalizada pode ocorrer, principalmente nas crianças. Os adultos podem apresentar pequenas manifestações hemorrágicas, como petéquias, epistaxe, gengivorragia, sangramento gastrointestinal, hematúria e metrorragia. A doença tem uma duração de 5 a 7 dias. Com o desaparecimento da febre, há regressão dos sinais e sintomas, podendo ainda persistir a fadiga. Existe também o quadro da dengue grave, incluindo Continuar lendo

Antibioticoterapia em infecções respiratórias agudas: Guideline 2016

Artigo:  Appropriate Antibiotic Use for Acute Respiratory Tract Infection in Adults: Advice for High-Value Care From the American College of Physicians and the Centers for Disease Control and Prevention

Autores:  Aaron M. Harris, Lauri A. Hicks, e  Amir Qaseem, pelo High Value Care Task Force of the American College of Physicians e pelo Centers for Disease Control and Prevention

Local:  EUA

Fonte:  Ann Intern Med. doi:10.7326/M15-1840

O guideline: O assunto parece óbvio e resolvido, mas não é tão simples. Nosso conceito é: vamos desestimular o uso de antimicrobianos para o tratamento de infecções respiratórias virais agudas. Esta é a condição em que mais se usa um antimicrobiano, a que mais seleciona resistência. Muito mais do que poucos pacientes em estado gravíssimo numa UTI. Nossos esforços de controle da resistência deveriam se voltar com maior intensidade para as situações mais “simples” onde usamos antibióticos “inócuos”. Na verdade, toda a antibioticoterapia deveria ser sistematizada de forma diferente, mas frequentemente nós, infectologistas, viramos nossas maiores atenções para as situações onde o impacto é menor.

No caso das IVAS, além das dificuldades diagnósticas e de educação em larga escala, temos alguns estudos que mostram benefícios em populações selecionadas, de alto risco, especialmente idosos com comorbidades. Estas situações deveriam ser melhor exploradas.

Na tabela, estão resumidas as principais recomendações destas duas entidades.

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Uveítes: como investigar?

Artigo:  Uveitis Evaluation and Treatment

Autores:  Robert H Janigian, Jr, Hampton Roy e mais

FonteMedscape

O estudo:  Frequetemente casos de uveíte são encaminhadas para o infectologista, como se fossem causadas por toxoplasma, decisão feita somente pela presença de um IgG positivo. Chegam com tratamento sub-ótimo (Sulfametoxazol-trimetoprim). No entanto, as uveítes podem ser doenças graves e merecem uma abordagem bastante lúcida e detalhada, que é a proposta desta publicação.

Pontos críticos: Separei e adaptei aqui a classificação, agentes mais prováveis e investigação como destaque (resumidos).

 

Classificação Condições associadas Causas prováveis Investigação
Uveíte anterior
Aguda, intensa, com ou sem hipopion fibrinoso Nenhuma Idiopática, inflamatória não-infecciosa e associada ao HLA-B27. Depende do exame clínico e histórico.
Artrite, dor lombar, sintomas genitourinários. Espondiloartropatias soronegativas HLA-B27, exames de imagem da sacroilíaca
Úlceras aftosas Doenças de Behcet HLA-B5, HLA-B51
Pós-cirúrgico Endoftalmite Avaliação oftalmológica
Medicação Rifabutina
Dendrite córnea, atrofia setorial da íris Herpes
Resposta ruim aos corticoides ou epidemiologia Sífilis Sorologia
Dor ou vermelhidão de moderada/grande intensidade Nenhuma Idiopática Depende do exame clínico e histórico.
Pós-cirúrgico Endoftalmite Avaliação oftalmológica
Medicação Etidronato,

metipranolol,

latanoprost

Epidemiologia presente Tuberculose Quantiferon ou PPD para descartar casos
Criança, especialmente com artrite
Crônica, sinais mínimos de dor ou vermelhidão Nenhuma Idiopática, Doença de Lyme Sorologia para Doença de Lyme
Pós-cirúrgico Endoftalmite Avaliação oftalmológica
Heterocromia difusa, precipitado queratico unilateral Uveíte de Fuchs Nenhuma
Uveíte intermediária
Geral Depende da história clínica Idiopática ou associada a doenças sistêmicas (Sarcoidose, Doença de Lyme, Esclerose Múltipla, sífilis, doença inflamatória intestinal, doença de Whipple, Linfoma) Depende da história clínica

 

Para as uveítes posteriores, em especial a vasculite de retina, os autores propões um fluxograma, que é onde entra a toxoplasmose:

 

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Manifestações orais de doenças infecciosas, alérgicas e imune-mediadas

Artigo:  Oral Manifestations of Allergic, Infectious, and Immune-mediated Disease

Autores:  Gregory M. Cowan,e Richard F. Lockey

Local:  Tampa, Florida

Fonte:  J Allergy Clin Immunol Pract 2014;2:686-96

Artigo de revisão:  O artigo revisa as principais causas de lesões orais, especialmente os vesiculo-bolhosos e úlceras aftosas. Dentre as causas revisadas:

Medicamentos

  1. Xerostomia (Pode ser causada por polifarmácia, omeprazol, indinavir, cloreto de trospium, tramadol, didanosina, loratadina, e cetirizina.
  2. Ulceração de mucosa e necrose epitelial (Peróxido de hidrogênio, cápsulas de potássio, medicamentos que contêm fenol, sulfonamidas, barbituratos,β-bloqueadores, AINES, fenolftaleina, dapsona, salicilatos, tetraciclina e quimioterápicos).
  3. Hiperplasia gengival (Hidantoína, inibidores de canais de cálcio, valproato sódico e ciclosporina).
  4. Sangramento gengival (Anticoagulantes, alguns anti-depressivos, anti-hpertensivos e antia-alérgicos).
  5. Reações associadas à eosinofilia e Síndrome de Steven-Johnson são reações alérgicas sistêmicas, graves, que podem afetar a mucosa oral.

Infecções

  1. Herpes, varicela-zoster, sífilis (nos três estágios, mais frequentemente úlceras na mucosa ou na língua na sífilis primária), HPV.
  2. Lesões associadas à infecção pelo HIV (Úlceras recorrentes, herpes, Sarcoma de Kaposi, candidíase, leucoplasia pilosa, eritema gengival linear, gengivite ulcerativa necrosante, verrugas orais).

Doenças imune-mediadas

  1. Dermatite alérgica de contato, geralmente associada a implantes
  2. Liquen plano – Lesão aguda manifestada como reticular, atrófica, bolhosa, ou erosiva.
  3. Doença de Chron/colite ulcerativa – Úlceras orais podem ser a manifestação inicial, única. Podem acompanhar linfadenopatia submentoniana, eritema perioral, abscessos bucais recorrentes e queilite angular.
  4. Estomatite aftose recorrente
  5. Doença de Behcet – Úlceras orais recorrentes acompanhadas de úlceras genitais, uveíte e lesões cutâneas.
  6. Síndrome de Sweet – Eventualmente úlceras orais podem acompanhar esta doença, caracterizada por febre, leucocitose e lesões cutâneas eritematosas dolorosas.
  7. PFAPA – Episódios recorrentes de febre, faringite e úlceras orais em crianças pequenas, que vão melhorando com o tempo.pfapa
  8. Síndrome de Sjögren – Apresenta-se como xerostomia e as manifestações decorrentes.
  9. Lupus eritematoso sistêmico – Ocorre em 45% dos pacientes com LES. A lesão mais característica é discoide, com uma área de ulceração bem demarcada e atrofia ou eritema, cercados por área de estrias esbranquiçadas.
  10. Pênfigo – Pode anteceder a doença cutânea. Úlceras orais de repetição que podem apresentar bolhas o sinal de Nikolsky.

Outros

Doenças dentárias, gengivites e neoplasias

 

 

Comentários: Esta é uma pequena revisão interessante sobre um assunto que frequentemente chega ao consultório do infectologista.