Arquivo da categoria: Doenças sexualmente transmissíveis

Zika vírus além das fronteiras

Artigo:  Spread of the pandemic Zika virus lineage is associated with NS1 codon usage adaptation in humans

Autores:  Caio César de Melo Freire, Atila Iamarino, Daniel Ferreira de Lima Neto, Amadou

Alpha Sall, e Paolo Marinho de Andrade Zanotto

Local:  USP, Brasil e Senegal

Fonte:  bioRxiv doi: http://dx.doi.org/10.1101/032839   (2015)

O estudo:  Os autores procuraram, antravés da análise da estrutura viral, tentar entender porque o vírus, conhecido desde 1948, teve disseminação restrita até recentemente, quando se tornou epidêmico. A linhagem africana é predominantemente silvícola, afetando macacos. Já a linhagem asiática é transmitida por vários vetores, inclusive o Aedes aegypti, e alastra-se com maior facilidade. Na Polinésia Francesa, a infecção por Zika vírus mostrou aumento de 20 vezes no risco de Síndrome de Guillain-Barré. Os autores procuraram analisar os as preferências de códons (que regulam a expressão de genes) das linhagens africana e asiática para entender se há alguma variação genética entre as duas estirpes.

Resultados:  Os resultados aqui descritos são simplificações para facilitar síntese e compreensão. Os autores observaram que ocorrem diferenças no uso do códon NS1 entre as duas linhagens. Este códon é mais utilizado na linhagem asiática, mostrando que, nesta cepa, mais agressiva, aparentemente, ocorrem diferenças genéticas que podem ser marcantes. Na figura selecionada, do lado esquerdo vemos os vírus isolados de mosquitos, macacos e seres humanos na África (Triângulo, círculo e quadrado vermelhos), que possuem expressão do NS1 diferenciada dos vírus identificados a parte dos casos relatados na Polinésia Francesa (formas em azul).  As proteínas codificadas por estes códons (NS1) são responsáveis por diversas características, inclusive escape do sistema imune, que pode tornar este vírus mais patogênico.ns1a

Comentários: Ao contrário do que confabulam as teorias da conspiração, mutações, variações genéticas são fatos normais, inclusive no ser humano. É a mutação e a capacidade de adaptação que garantem a conformidade ao ambiente e a sobrevivência, ou seja, a seleção natural. No entanto, os vírus próximos ao Zika possuem baixa capacidade de mutação e variabilidade, e ainda assim persistem. A variação da utilização (e expressão fenotípica) de duas linhagens é um fato que deve sr visto como importante pista para uma possível explicação para os recentes achados relacionados a esta infecção. No caso do Zika vírus, tanto a sua disseminação como seu neurotropismo (Síndrome de Guillain-Barré e a microcefalia) podem estar ligados a alguma mutação no vírus – inclusive a expressão de proteínas codificadas pelo codon NS1 – diferentemente da cepa que antes predominava, a linhagem africana. Este estudo mostra que há uma seleção, que há diferença genéticas em linhagens mais e menos associadas a quadros graves, e  que é possível que a genética esteja implicada na mudança do perfil epidemiológico e clínico deste vírus.

Profilaxia pré-exposição para HIV no mundo real

Artigo:  No New HIV Infections With Increasing Use of HIV Preexposure Prophylaxis in a Clinical Practice Setting

 

Autores:  Jonathan E. Volk, Julia L. Marcus, Tony Phengrasamy,Derek Blechinger, Dong Phuong Nguyen, Stephen Follansbee, e C. Bradley Hare

 

Local:  San Francisco e Oakland, California

 

Fonte:  Clinical Infectious Diseases 2015;61(10):1601–3

 

O estudo:  O objetivo da profilaxia pré-exposição (PrEP) é limitar a infecção pelo HIV em populações de alto risco. Embora diversos estudos tenham sido feitos, de forma controlada, Volk e seus colaboradores decidiram avaliar esta estratégia no “mundo real” utilizando tenofovir/emtricitabine em dose única diária. Neste estudo, eles avaliaram, dentro do programa da Kaiser Permanent, um sistema de saúde da California, a taxa de soroconversão entre pacientes com alto risco de aquisição que espontaneamente procuraram a clínica.

 

Resultados:  De 801 homens avaliados, 657 iniciaram a PrEP. 653 eram HSH (homens que fazem sexo com homens), três mulheres heterossexuais e um transexual. 187 apresentaram pelo menos uma DST no período de avaliação. Nenhuma infecção nova pelo HIV foi diagnosticada. 74% dos pacientes não mudaram seu comportamento durante o período de observação. Uso de preservativos se mostrou inalterado em in 56%, reduzido em 41%, e aumentado em 3%. Toxicidade não foi relatada.

 

Comentários: Este estudo não é uma evidência definitiva da eficácia da PrEP, mas mostra um pouco da adesão e dos possíveis resultados. Não foi um estudo controlado ou desenhado para dar este tipo de resposta. Em teoria, a população atendida demandou, desejou a prevenção, sem abdicar das suas rotinas sexuais. Para esta população selecionada, mais aderente a PrEP se mostrou eficaz, mesmo com uma taxa de contaminação de DSTs alta. O risco de resistência é real, mas está basicamente ligado à baixa adesão. Além disto, resistência não ocorre quando não há vírus replicante no organismo. O principal problema foi visto no estudo. 41% reduziram o uso de preservativo, o que pode, a longo prazo, ofuscar os efeitos da PrEP e aumentar a transmissão de outras doenças. Ou seja, este tipo de estratégia tem que ser bem planejado e acompanhado para não gerar o efeito oposto.

Profilaxia pré-exposição: a evidência

Artigo:  On-Demand Preexposure Prophylaxis in Men at High Risk for HIV-1 Infection

Autores:  J.-M. Molina, C. Capitant, B. Spire, e  ANRS IPERGAY Study Group

Local:  França

Fonte:  N Engl J Med 2015;373:2237-46.

O estudo:  A profilaxia pré-exposição (PrEP) é uma estratégia muito estudada no momento para se limitar a taxa de transmissão pelo HIV em populações de alto risco. 400 homossexuais foram distribuídos em dois grupos: 201 receberam tenofovir (TDF) emtricitabine (FTC) e 199 placebo.

Resultados:  A média de seguimento foi de 9,1 meses. Foram observadas 16 soroconversões, 2 no grupo TDF+FTC e 14 no grupo placebo, uma redução de 86%. Surpreendentemente, os feitos colaterais “sérios” ocorreram na mesma proporção nos dois grupos, mas os efeitos gastrointestinais e renais foram mais frequentes no grupo teste do que no controle.

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Comentários: Vários estudos, e em particular este seja o mais marcante, mostram a eficácia da PrEP. No entanto, a eficácia não é de 100%, provavelmente devido a uma baixa adesão. Em média os pacientes tomaram 15 doses/mês, e não 30, como seria o esperado. As questões que ficam pendentes e que necessitam maior amadurecimento são: 1) Como será a infecção naqueles pacientes que a adquiriram em uso da profilaxia? 2) Como será o comportamento da população sabendo que há uma profilaxia, os cuidados serão mantidos ou reduzidos?