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Zika Virus e manifestações oculares

Dois estudos bastante recentes mostraram o acometimento ocular em bebês microcefálicos, com doença presumivelmente atribuída ao zika vírus.

Arquivos Brasileiros de Oftalmologia

Camila Ventura, Mauricio Maia e mais  – Ophthalmological findings in infants with microcephaly and presumable intra-uterus Zika virus infection. Arquiv Bras Oftalmol 2016; 79(1): 1-3

Os autores deste primeiro estudo, realizado em Recife com participação de  oftalmologistas da UNIFESP realizaram fundoscopia de crianças que nasceram com microcefalia, presumivelmente associada ao zika vírus. As retinas de 10 crianças foram avaliadas. Alterações maculares e de nervo ótico foram constatados em 17 olhos (85%).

zika2

JAMA Ophtalmology

Bruno de Paula Freitas; João Rafael de Oliveira Dias e mais – Ocular Findings in Infants With Microcephaly Associated With Presumed Zika Virus Congenital Infection in Salvador, Brazil. JAMA Ophthalmol. Published online February 09, 2016.

Este artigo, realizado em Salvador também com participação da UNIFESP mostraram os resultados da análise de 31 casos presumivelmente associados ao Zika vírus na Bahia. Os resultados são muito parecidos com aqueles descritos em Recife. 10 (34,5%) apresentavam anomalias oculares graves. Os aspectos fundoscópicos eram mais parecidos com aqueles encontrados na toxoplasmose ou na infecção causada pelo Vírus do Oeste do Nilo.

zika 1

 

Comentários: Este dois estudos são pequenos e descritivos, mas bastante oportunos. Existe ainda um grande número de dúvidas quanto ao papel do zika vírus na patogênese da microcefalia, e um grande número de informações desorganizadas que não permitem conclusões e condutas lúcidas. Este tipo de informação agrega – raciocínio, epidemiologia e conduta clínica.

 

Independente da controvérsia, este pequeno estudo mostra que as características da microcefalia – sua associação com coriorretinite – aproxima o atual surto das características das demais doenças infecciosas congênitas (TORCH), fazendo-nos lembrar mais do vírus do oeste do Nilo (não prevalente em nosso meio) e da toxoplasmose.

 

 

Zika vírus e microcefalia: duas considerações

Artigos:

Gregorius J. Sips, Jan Wilschut and Jolanda M. Smit – Neuroinvasive flavivirus infections. Rev. Med. Virol. 2012; 22: 69–87

Jason A. Tetro – Zika and microcephaly: causation, correlation, or coincidence? Microbes and Infection 2016 – in press.

Num momento em que as informações ainda são preliminares, e que boatos estão se transformando em verdade rapidamente, é importante pontuar as informações disponíveis para se promover uma tomada de decisões mais lúcida. Dois artigos ajudam esta reflexão.

Neuroinvasividade dos flavivírus

O que é importante ver nesta já não tão nova revisão é que o neurotropismo dos vírus da família dos flavivírus não é nenhuma novidade. Temos várias revisões e estudos específicos sobre manifestações neurológicas da dengue, mas outros vírus desta família possuem características de neurotropismo: Além da dengue (DEN), vírus da encefalite japonesa (JEV), vírus do oeste do Nilo (WNV), vírus da encefalite associada a picada de carrapato (TBEV), e agora o próprio zika vírus.

flavi2O mecanismo da disseminação do vírus para o sistema nervoso central pode ser hematogênico (JEV,WNV, DEN, TBEV) ou por transporte axonal (JEV, WNV, TBEV). A patologia pode revelar apoptose ou lesão direta, e há participação de fatores do hospedeiro (CCR5 e OAS). Há evidências em alguns estudos de fatores imunológicos (correlação negativa entre quantidade de vírus e extensão das lesões). O que há de muito diferente com o zika é que, além do neurotropismo, bastante possível pela correlação com demais membros da família, é sua passagem transplacentária e infecção fetal. Este é um fato menos relatado para a família de vírus a qual ele faz parte.

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Microcefalia: causa, coincidência ou cofator?

Este pequeno editorial tenta trazer uma reflexão mais lúcida. Ele começa fazendo um histórico, relatando que o neurotropismo do zika vírus (ZV) já era conhecido desde 1952, em estudos com cobaias. Em 1972, outro autor mostrou que o vírus era capaz de cruzar a barreira hematoencefálica, infectando neurônios e células da glia num provável processo de autofagia. Esta autofagia ainda não foi completamente demonstrada para o ZV em nenurônios, mas sim em fibroblastos. Caso a autofagia seja demonstrada em células do sistema nervoso, a associação entre  ZV e microcefalia ficará mais consistente.

Um dos fatores celulares associados à microcefalia é a proliferação de centrossomos. O aumento do número destas organelas retarda a ocorrência de mitoses e promove apoptose, além de outros distúrbios do desenvolvimento do SNC.

Caso fique demonstrada a associação, é importante lembrar que outros defeitos de formação serão esperados, uma vez que defeitos no centrossomos, instabilidade cromossômica e autofagia estão implicados em outros processos de malformações.

Os autores não abordam os estudos epidemiológicos, que foram a principal base para se fortalecer a hipótese da associação, mas aponta que é preciso conhecer com mais detalhe os mecanismos envolvidos na tentativa de se responder qual é a forma de associação entre ZV e microcefalia.

 

 

Independente de qualquer questionamento, e possíveis evoluções posteriores, confirmando ou relativizando papel do Zika Vírus na gênese de casos de microcefalia, as medidas imediatas são necessárias e inquestionáveis, não é perdoável omissão pela dúvida numa situação grave como esta. Nos próximos meses ou breves anos, teremos respostas mais precisas.

Transmissão sexual do Zika Virus

Artigos:

Comentários: No dia 02 de fevereiro o CDC publicou um caso de transmissão sexual do zikaZika vírus em território americano. Uma pessoa que se infectou fora dos Estados Unidos transmitiu a doença por via sexual para outra. Este tipo de comunicação é importante porque mostra que o controle da disseminação desta doença será ainda mais difícil do que aquele feito para a dengue. Mas não se trata de nenhuma novidade. Em 2011, e colegas publicaram um caso de possível transmissão sexual deste vírus. Em 2015, e colegas conseguiram identificar o vírus em sêmen humano. Portanto, a notícia não representa uma grande novidade. As questões que são importantes nas tomadas de decisão, e que ainda não existem estudos para responder são:

  • Qual a dimensão, o risco da transmissão sexual do vírus? Casos esporádicos ou um verdadeiro problema de saúde pública?
  • A transmissão ocorre somente do homem para a mulher?
  • Por quanto tempo persiste a transmissão? Por curto ou longo tempo? As respostas sugerem recomendações distintas.
  • A transmissão ocorre somente em pessoas que apresentam sintomas (maior viremia) ou também na infecção assintomática?

 

 

 

 

 

 

 

Zika vírus na gestação: Duas recomendações

Duas recentes recomendações abordaram o risco de malformações fetais relacionadas ao Zika Vírus. Uma delas brasileira, da Sociedade de Infectologia do Estado do Rio de Janeiro (SIERJ), outra do Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC) americano

SIERJ

A SIERJ preparou resposta rápida e contundente ao problema, que ainda é novo e que ainda demanda muitas resposta. Boa parte das recomendações se referem à saúde pública e à ação das entidades oficiais. Mas é muito prudente e sensata suas recomendações sobre o uso de repelentes, transcrita abaixo:

Além das medidas de controle vetorial no peri e intradomicílio, que possuem abrangência mais coletiva, a principal medida profilática individual contra o Aedes aegypti e as doenças por ele transmitidas é o uso contínuo de repelentes potentes e de ação prolongada, sobretudo nos horários de pico do repasto sanguíneo deste vetor e nos períodos de surtos, epidemias e de maior sazonalidade dessas doenças, quando a população vetorial aumenta.

Em Nota Recente do Ministério da Saúde, intitulada ‘Uso de Repelentes de Inseto durante a Gravidez’, que faz menção à Resolução vigente RDC nº 19, de 10 de abril de 2013, é dito que “além do DEET (N,N-Dietil-Meta-Toluamida ou N,N-Dietil-3-Metilbenzamida), no Brasil são utilizadas em cosméticos as substâncias repelentes Hydroxyethylisobutylpiperidinecarboxylate (Icaridina ou Picaridina) e Ethylbutylacetylaminopropionate(EBAAP ou IR3535), além de óleos essenciais como Citronela, Andiroba e outros”.

A SIERJ entende que ao citar óleos cosméticos de Citronela e Andiroba como “repelentes que podem ser utilizados por gestantes, considerando a possível relação entre o Zika vírus e os casos de microcefalia diagnosticados no país”, o Ministério da Saúde assume uma recomendação errônea e em dissonância das evidências científicas, posto que:

  1. a) Repelentes à base de Citronela e outros compostos botânicos (ex: EucaliptoLimão, Andiroba, Óleo de Cravo) são muito voláteis, evaporam rapidamente e conferem proteção contra o A. aegypti com durabilidade inferior a 20 minutos (N Engl J Med 2002; 347(1): 13-18; Trav Med Infect Dis 2013; 11: 374-411). Além disto, estes compostos “naturais” não possuem comprovação de eficácia nem a aprovação pela ANVISA para este fim e estão relacionados a casos de reações alérgicas eczematosas. b) Embora os repelentes à base de DEET sejam eficazes e possam ser utilizados em grávidas e crianças com mais de 2 anos de idade (nota de bula – Brasil), as concentrações consideradas adequadas para proteção prolongada estão entre 20 e 50% (Fonte: Yellow Book 2016. Centers for  DiseaseControlandPrevention/CDC ), muito além das concentrações existentes nas apresentações comercializadas no Brasil, que variam entre 6 e 14,5% (marcas Off® e Repelex®), com proteção inferior a 2 horas, o que requer retoques frequentes e maior risco de toxicidade. Não existe produto registrado junto à ANVISA com concentração de DEET superior a 15%, devido ao risco potencial de encefalopatia tóxica observada em crianças com menos de dez anos de idade que usaram DEET em concentrações maiores ou maior frequência (N Engl J Med 2002; 347(1): 13-18; TravMedInfectDis 2013; 11: 374-411). Ademais, já existe descrição na literatura de desenvolvimento de resistência do A. aegypti ao DEET após exposição prévia recente, sugerindo a presença de fatores não-genéticos como mecanismo de dessensibilização do vetor (PLOS ONE 2013; 8(2)). c) Da mesma forma, repelentes a base de IR3535 (EtilButilacetilaminopropionato – Loção antimosquitoJohnson’s®) apresentam eficácia e durabilidade de ação inferiores ao DEET, embora estejam liberados para uso em grávidas e crianças maiores que 6 meses de vida (nota de bula – Brasil). Em trabalho publicado pela New  nglandJournalof Medicine em julho de 2002, Fradin e colaboradores demonstraram uma proteção de apenas 23 minutos, quando em uso das apresentações comerciais de IR3535 a 7,5%. d) A Icaridina (Picaridina, KBR 3023), comercializada no Brasil com o nome de Exposis® (Laboratório Osler) nas concentrações de 20-25%, tem demonstrado a maior potência e durabilidade em vários trabalhos científicos, com tempo de ação de até 10 horas, em locais de clima mais ameno. Requer menor número de aplicações diárias (3 a 4, em locais de clima tropical, dependendo do grau de sudorese) e também está relacionada à menor ocorrência de reações alérgicas eczematosas. Não obstante, e por este motivo, é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como a primeira opção de repelente em áreas endêmicas para malária, que tem no gênero Anopheles o seu vetor, além de possuir excelente ação sobre o gênero Aedes. Pode ser usada com segurança em gestantes e crianças acima de dois anos de idade (nota de bula), com apresentação pediátrica disponível, inclusive (Obs: segundo o Yellow Book – CDC, pode ser usada com segurança a partir dos 2 meses de vida). No entanto, possui alto custo (em torno de R$ 50,00 ou mais) e é difícil de ser encontrada nas farmácias convencionais.

Pelo exposto, diante do aumento no número de casos de microcefalia e GuillainBarré relacionados à Zika virose em nosso país, e já antecipando a ocorrência de novos casos com a chegada das chuvas de verão, a SIERJ corrobora e apóia ação do Ministro da Saúde na divulgação sobre a produção e distribuição gratuita de repelentes para as gestantes do país, em parceria com o laboratório do Exército. No entanto, ressalta a importância do uso do repelente mais adequado nos quesitos eficácia e tempo de ação, onde a Icaridina se destaca como a melhor, dada as concentrações subótimas de DEET e IR3535 aprovadas pela ANVISA e comercializadas no território Nacional.

CDC

Além de toda a discussão sobre a doença, o CDC propõe o seguinte fluxograma de conduta:

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É fácil diagnosticar a infecção pelo Zika vírus?

Após as notícias sobre a relação entre a infecção pelo Zika vírus e o desenvolvimento de microcefalia, a pergunta é: estamos preparados para fazer o diagnóstico.

Aqui vão as características que diferenciam as três doenças transmitidas pelo Aedes aegypti:

Dengue

O quadro clínico é muito variável. A primeira manifestação é a febre alta (39° a 40°), de início abrupto, seguida de cefaléia, mialgia, prostração, artralgia, anorexia, astenia, dor retroorbital, náuseas, vômitos, exantema e prurido cutâneo. Hepatomegalia dolorosa pode ocorrer, ocasionalmente, desde o aparecimento da febre. Alguns aspectos clínicos dependem, com freqüência, da idade do paciente. A dor abdominal generalizada pode ocorrer, principalmente nas crianças. Os adultos podem apresentar pequenas manifestações hemorrágicas, como petéquias, epistaxe, gengivorragia, sangramento gastrointestinal, hematúria e metrorragia. A doença tem uma duração de 5 a 7 dias. Com o desaparecimento da febre, há regressão dos sinais e sintomas, podendo ainda persistir a fadiga. Existe também o quadro da dengue grave, incluindo Continuar lendo