Meu paciente está com “defesas baixas”?

Na clínica diária é frequente o paciente se queixar de “resistência baixa” e que deseja prescrição de vitaminas para “aumentar as defesas”. Na imensa maioria das vezes em que uma investigação é feita, nenhuma alteração é encontrada. Nenhuma surpresa. A sensação de defesas baixas vem devido a:

immunodeficiency-disordersa) Infecções de repetição, muitas vezes infecções respiratórias leves, cuja ocorrência mais frequente num ano ocorre por questões epidemiológicas (maior circulação de vírus/ período prévio mais prolongado sem infecções, gerando maior suscetibilidade;

b) Infecções recorrentes como infecções urinárias ou herpes simples, cujas causas são diferentes, em geral não relacionada a imunodeficiências;

c) Sensação de cansaço ou estafa.

Na verdade, a pergunta é: quando suspeitar que o paciente apresenta uma imunodeficiência?

As imunodeficiências são variadas

Inicialmente, é importante entender que o sistema imune é complexo e altamente inter-relacionado. Não existe uma síndrome única de imunodeficiência, e as imunodeficiências não se manifestam através de resfriados mais frequentes.

Dentro da complexidade do sistema imune, devemos lembrar que cada componente do sistema imune apresenta funções diferentes, e cada deficiência irá gerar suscetibilidade diminuída para agentes oportunistas específicos para cada deficiência. Desta forma, uma deficiência de opsonização gerará uma maior suscetibilidade a agentes capsulados, assim como a deficiência de resposta celular levará a maior suscetibilidade e agentes celulares e neoplasias.

As imunodeficiências são dividas em primárias e secundárias. As primeiras são causadas por doenças próprias do sistema imune, em geral genéticas. As secundárias ocorrem paralelamente a doenças de outros sistemas, como a diabetes, por exemplo.

Desta forma, não podemos ser simplistas e acreditarmos em imunodeficiências de forma tão superficial, criando falsas expectativas para pacientes, e gerando prescrições e recomendações cuja eficácia não é superior à de um placebo.

Wilson de Melo Cruvinel e mais – Sistema Imunitário – Parte I Fundamentos da imunidade inata com ênfase nos mecanismos moleculares e celulares da resposta inflamatória. Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61.

Danilo Mesquita Júnior e mais – Sistema Imunitário – Parte II Fundamentos da resposta imunológica mediada por linfócitos T e B. Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80.

Alexandre Wagner Silva de Souza e mais – Sistema Imunitário – Parte III O delicado equilíbrio do sistema imunológico entre os pólos de tolerância e autoimunidade. Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94.

Sérgio Lisboa Machado &. Raimundo Diogo Machado – IMUNOLOGIA BÁSICA E APLICADA ÀS ANÁLISES CLÍNICAS.

Sinais sugestivos de imunodeficiência

As suspeitas “genéricas” de imunodeficiência são mais específicas e graves do que a presença de infecções simples, repetidas, como resfriados ou o herpes oral não complicado. Na tentativa de se orientar uma lógica mais razoável na triagem de possíveis pacientes portadores de imunodeficiência, Azar e Ballas propuseram algumas pistas para suspeita/indicação de investigação laboratorial:

Aspectos das Infecções
● Frequência não usual
● Severidade não usual
● Duração não usual
● Complicações não usuais
● Agentes causadores não usuais
Pistas não infecciosas
● Perda prematura da dentição
● Cicatrização de feridas precária
● Bronquiectasias não explicadas
● Diarreia crônica ou malabsorção
● Autoimunidade, especialmente se mais de uma (Ex. hipotiroidismo e alopecia e vitiligo)
● Distúrbios hematológicos (anemia hemolítica, neutropenia,
plaquetopenia)
● “Dificuldade para progredir”

É importante lembrar que os aspectos das infecções citados podem ocorrer em pacientes imunocompetentes. Por exemplo, até seis resfriados por anos são aceitos. O Herpes Simples de repetição é frequente, incomum e suspeita é sua manifestação mais severa. Algumas infecções podem apresentar características não usuais devido a fatores predisponentes (Exs: Pneumonia – distúrbio de deglutição; Infecção urinária – atrofia de epitélio).

Indo mais além, a categorias de imunodeficiências específicas, Madkaikar e colaboradores sugerem os seguintes sinais de alerta particulares para imunodeficiências primárias, em crianças:

  • Quatro ou mais otites novas em um ano
  • Dois ou mais episódios severos de rinussinusite em um ano
  • Dois ou mais meses em uso de antimicrobianos sem resultados
  • Duas ou mais pneumonias em um ano
  • Dificuldade de ganho de peso ou crescimento anormal
  • Abscessos recorrentes em partes moles (profundos) ou órgãos
  • Candidíase oral ou micose cutânea persistente
  • Necessidade de mudança para antibioticoterapia venosa para resolução da infecção
  • Duas ou mais infecções sistêmicas como a septicemia
  • História familiar de imunodeficiência primária.

Nunca é demais insistir que as infecções utilizadas como pistas devem ter sido bem documentadas, evitando a utilização de diagnósticos imprecisos.

Quando estes autores descrevem as infecções sugestivas de cada imunodeficiência primária, especificamente, percebe-se que as infecções e agentes são muito mais particulares – e incomuns – do que as infecções de repetição mais simple que geram ansiedade a pacientes.

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Antoine E. Azar & Zuhair K. Ballas – Evaluation of the Adult with Suspected Immunodeficiency. The American Journal of Medicine (2007) 120, 764-768.

M MADKAIKAR, A MISHRA e K GHOSH – Diagnostic Approach to Primary Immunodeficiency Disorders. INDIAN PEDIATRICS 2023; 50: 579.  

Categorias de imunodepressão

Mesmo sem se conhecer a fundo imunologia e as imunodeficiências, é possível se intuir que cada deficiência específica levará a um tipo de manifestação próprio da deficiência expressada.Não existe uma doença oportunista única e comum para todas as formas de imunodeficiência.

De forma bastante simplista, Azar e Ballas sintetizam as manifestações mais comuns de acordo com cada defeito imune.

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Além disto, as imunodeficiências primárias em geral se manifestam na primeira infância, com a manifestação repetida de infecções graves, além de outras pistas já descritas, indicando claramente o defeito. Ao contrário, as imunodeficiências secundárias podem apresentar-se de acordo com o defeito específico (Ex. esplenectomia, AIDS) ou de forma mista, expressão diversas deficiências concomitantes (Ex. diabetes).

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Antoine E. Azar & Zuhair K. Ballas – Evaluation of the Adult with Suspected Immunodeficiency. The American Journal of Medicine (2007) 120, 764-768.

Luigi D. Notarangelo – Primary immunodeficiencies. J Allergy Clin Immunol 2010;125:S182-94.

Immune Deficiency Foundation – Diagnostic & Clinical Care Guidelines for Primary Immunodeficiency Diseases.

Javier Chinen & William T. Shearer – Secondary immunodeficiencies, including HIV infection. J Allergy Clin Immunol 2010;125:S195-203.

Investigação inicial

A investigação deve ser focada no componente específico do sistema imune aparentemente comprometido. Em particular, as imunodeficiências primárias são doenças onde esta linha de raciocínio é mais clara. No caso de suspeita de imunodeficiência secundária, Azar e Ballas sugerem:

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Antoine E. Azar & Zuhair K. Ballas – Evaluation of the Adult with Suspected Immunodeficiency. The American Journal of Medicine (2007) 120, 764-768.

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