Estamos acostumados a dizer que não utilizamos medicamentos anti-diarreicos, como a
loperamida, pelo risco de perfuração intestinal, no caso de diarreia bacteriana (ou diarreia do viajante, segundo a literatura americana). Tal risco não é citado para a diarreia não inflamatória, ou “alta”. As perguntas que devem ser feitas são: 1) O risco de perfuração está bem evidenciado? 2) Caso o risco seja baixo ou irrelevante, há benefício no uso de antidiarreicos como a loperamida?
Loperamida está associada a eventos adversos graves?
A Loperamida é um agonista opioide com ação periférica. Ela possui diversas ações, inclusive sobre tumores e sistema imunológico. Também apresenta diversas interações medicamentosas. Como agonista opioide, reduz a motilidade da musculatura lisa, abrandando a diarreia.
Existem relatos em literatura de perfuração intestinal quando do uso de anti-diarreicos, inclusive a loperamida, no tratamento da diarreia do viajante. Mas sabemos que relatos de casos não são adequados para determinação de associação ou causalidade.
Toda a discussão sobre a toxicidade de agonistas opioides, difenoxilato e atropina é antiga, e baseada em subprodutos de outras publicações, como revisado por Li, em 1988. Não se discute a possibilidade teórica de risco, mas este é muito mal evidenciado.
Na verdade, em especial a loperamida, tem potencial para toxicidade maior no uso crônico, tanto arritmias quanto aos potenciais efeitos sobre o sistema imune.
No caso da diarreia, a evidência, que também não é específica, aponta para a segurança. Riddle e colaboradores analisaram a eficácia da loperamida na diarreia do viajante, e em sua meta-análise não observaram aumento de risco de eventos adversos graves e nem perfuração intestinal. Mesmo assim, recomendaram realização de estudos sistemáticos desta questão em doenças invasivas.
Mark S. Riddle, Sarah Arnold, e David R. Tribble – Effect of Adjunctive Loperamide in Combination with Antibiotics on Treatment Outcomes in Traveler’s Diarrhea: A Systematic Review and Meta-Analysis. Clinical Infectious Diseases 2008; 47:1007–14.
Hannah L. Spinner, Nick W. Lonard e mais – Ventricular tachycardia associated with high-dose chronic loperamide use. Pharmacotherapy 2015;35(2):234–238.
Chertow DS; Uyeki TM e mais – Loperamide therapy for voluminous diarrhea in Ebola virus disease. J Infect Dis 2015 ;. 211 (7), 1036-7.
Li ST, Grossman DC, Cummings P. – LOPERAMIDE USE FOR ACUTE INFECTIOUS DIARRHEA IN CHILDREN: SAFE AND SOUND? GASTROENTEROLOGY 2008; 134 (4): 1261
Existe benefício no uso da loperamida?
Habitualmente consideramos a terapia adjuvante desnecessária, trazendo poucos benefícios. Riddle e colaboradores analisaram nove estudos que abordaram a eficácia de loperamida + antibióticos versus antibioticoterapia isolada na “temida” diarreia do viajante. Houve aumento do número de casos com resolução após 24h, após 48h, mas após 72h as taxas de cura foram similares. A duração da diarreia foi abreviada em 2-23 horas. Os autores concluíram que há benefício na adição de loperamida à antibioticoterapia.

Utilizando ferramentas semelhante, Li e colaboradores mostraram também benefícios com 24h e 48h no tratamento da diarreia aguda em crianças. Os benefícios foram menos marcantes, mas ainda significantes, na redução do tempo de diarreia.

Neste estudo, a probabilidade de persistência de diarreia apos 24h foi reduzida em 34% com o uso de loperamida, 41% em 48h e a média de redução de tempo de sintomas foi de 0,8 dias.
É difícil julgar se “vale a pena” reduzir o tempo de diarreia. Cabe lembrar que o mal estar e as complicações e transtorno para as mães devem ser considerados, e não somente o mais importante ( desidratação, hospitalização e óbitos).
Estes estudos sugerem que é o momento de se abrir a discussão sem preconceitos sobre os benefícios ou não de prescrição de terapia adjuvante.
Mark S. Riddle, Sarah Arnold, e David R. Tribble – Effect of Adjunctive Loperamide in Combination with Antibiotics on Treatment Outcomes in Traveler’s Diarrhea: A Systematic Review and Meta-Analysis. Clinical Infectious Diseases 2008; 47:1007–14.
Su-Ting T. Li, David C. Grossman e Peter Cummings – Loperamide Therapy for Acute Diarrhea in Children: Systematic Review and Meta-Analysis. PLoS Medicine 2007; 4 (3): e98.
Luca Gallelli & Manuela Colosimo – Prospective randomized double-blind trial of racecadotril compared with loperamide in elderly people with gastroenteritis living in nursing homes. Eur J Clin Pharmacol (2010) 66:137–144.
Alastair McGregor ,Michael Brown e mais – Fulminant Amoebic Colitis following Loperamide Use. J Travel Med 2007; 14: 61–62.
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