As vitaminas são um grande mito moderno, parte do imaginário da população. Acredita-se no poder das vitaminas como um purificador, um detox, um restaurador de energias e das defesas.Produtos naturais, sem toxicidade, desprovidos de interesses econômicos.
Nada é tão simples. As vitaminas estão no centro mais duro da medicina alopática. Elas representam o processo bioquímico que facilita a vida celular. Sua deficiência significa uma gênese de doença. Esta é a visão da medicina ocidental, científica, baseada em processos celulares e bioquímicos.
A suplementação também é parte deste processo. Os suplementos são substâncias sintetizadas artificialmente, concentradas para garantir uma superdosagem. Comercializadas por grandes fabricantes. Além disto, a superdosagem eventualmente pode estar associada a eventos adversos. A superdosagem de vitamina C pode aumentar o risco de desenvolvimento de cálculos urinários. A reposição de vitaminas processadas industrialmente é qualquer coisa menos medicina natural.
Mas a real pergunta, a que interessa, é: a suplementação realmente funciona? Nesta página, por diversas vezes este assunto foi abordado. Agora é a vez de compreender o papel dos polivitamínicos.
Suplementação e deficiência vitamínica
Numa importante revisão sistemática publicada em 2006, o AHRQ (Agency for Healthcare Research and Quality), entidade oficial americana, mostrou que os multivitamínicos preveniram doenças crônicas em populações desnutridas ou com nutrição sub-ótima. Mas inferências nem sempre são apropriadas.
A hipovitaminose A, presente em crianças desnutridas, está associada a maior risco de infecções bacterianas. Na presença de Sarampo, a Vitamina A é recomendada no intuito de se reduzir a ocorrência de pneumonia bacteriana. Cabe lembrar que a Vitamina A é uma vitamina lipossolúvel, não excretada pelo rim, e seu acúmulo pode levar a doenças graves. A Vitamina D talvez esteja associada a infecções, em caso de deficiência. Talvez.
Ainda que falte evidência definitiva, a reposição na presença de deficiência parece lógica e justificável. Mas e o contrário?
Jason A. Hall e mais – The Role of Retinoic Acid in Tolerance and Immunity. Immunity Volume 35, Issue 1, p13–22, 22 July 2011
Sonia Maria Soares Ferreira. – Prevalence of hypovitaminosis D and its association with oral lesions in HIV-infected Brazilian adults. Rev. Soc. Bras. Med. Trop. vol.49 no.1 Uberaba Jan./Feb. 2016.
Suplementação na ausência de deficiência vitamínica
Se alguém não apresenta deficiência vitamínica, estas devem ser repostas?
Em teoria, toda deficiência deve ser reposta. Mas quais vitaminas estão associadas à infecção? Muitas vezes vazemos inferências, deduções, que a ação em laboratório de uma vitamina sobre uma célula imune levaria a um aumento de defesas. Usando somente a dedução, este argumento possui três falhas:
- A maior parte das infecções de repetição ocorrem pela presença de fatores estruturais predisponentes, pela exposição repetida, justificada epidemiologicamente pela sazonalidade de agentes e do histórico de exposições ou pela virulência dos agentes microbianos envolvidos. Indivíduos que são avaliados devidos a sua suspeita própria de “defesas baixas” na imensa maioria das vezes apresentam exames laboratoriais mostrando ausência de doenças do sistema imune.
- O sistema imune é complexo. “Reforço” na imunidade pode significar também risco teórico de desenvolvimento de doenças causadas pela autoimunidade ou hipersensibilidade.
- Os efeitos alcançadas em situações controladas, dentro de um laboratório, em geral não foram desenhados para predizer a ação clínica. A mesma vitamina pode desencadear processos celulares antagônicos. Adicionalmente muitas destas vitaminas, como a vitamina C, estão presentes no organismo em grandes quantidades e a suplementação adicional é excretada pelo rim. Nossa reserva desta vitamina é suficiente para meses. Doenças, como o escorbuto, se manifestam após períodos prolongados de privação.
Na verdade a dieta do indivíduo moderno pode ser desequilibrada e é marcada pelo excesso. Com exceção de alguns poucos nutrientes e vitaminas, como a vitamina D, em geral apresentamos níveis satisfatórios destes elementos. O mesmo não vale para situações de doença e privação.
A ideia aqui não é trabalhar os princípios teóricos da reposição, que aparentemente são favoráveis, mas a evidência clínica, ou seja, se vale a pena mesmo tomar vitaminas para se reduzir infecções. É neste momento que surge a sensação de falta de informações consistentes. A evidência para a Vitamina C, especificamente, é frágil. Estudos pequenos e heterogêneos mostram um benefício irrisório, que provavelmente é artefato do desenho dos estudos. A Vitamina E, como será visto adiante, tem evidências no mínimo conflitantes. Já foi a Vitamina da moda, nos anos 80. Hoje temos a moda da Vitamina D, em particular importante, pois sua deficiência é frequente. Mas a evidência de sua relação com a infecção ainda não saiu de forma consistente da bancada dos laboratórios. Micronutrientes, como zinco, também vem sendo estudados.
Os multivitamínicos foram menos estudados do que o assunto merece. Graat e colaboradores estudaram a reposição de Vitamina E e/ou multivitamínicos em idosos. Destes, 6% apresentavam desnutrição / níveis séricos de vitaminas baixo. O número de infecções foi reduzido pelo uso de vitaminas. No entanto, seus resultados geram questionamentos importantes, suscitados pelos próprios autores: a) Aparentemente, o maior benefício ocorreu no grupo de pacientes desnutridos. b) O grupo que recebeu vitamina E, isolada ou em conjunto com multivitamínicos, apesar de apresentar menor número de infecções, tiveram aumento de infecções classificadas como graves. Este estudo, mais que corroborar o uso de vitamínicos, nos leva a pensar que precisamos de evidências melhores.
El-Kadikki & Sutton realizaram meta-análise avaliando a prevenção de infecções em idosos através do uso de multivitamínicos. Os autores conseguiram apenas 8 estudos para a análise, apesar da importância do assunto. Os estudos foram pequenos e heterogêneos, e as evidência, conflitantes.

Seus resultados mostraram aumento de intervalo entre infecções mas uma ausência de redução de número de infecções. Como conclusão, afirmaram que não haveria evidência para uso de multivitamínicos como prevenção de infecção, mesmo numa população vulnerável, a de idosos.
Saul Sternberg & Seth Roberts revisaram as evidências e estudos, e analisaram profundamente a metodologia dos mesmos. Eles concluíram que não há estudo prospectivo confiável que permita conclusão sobre o assunto. Até que surja este exemplo, este assunto será sempre polêmico. É uma fonte de prescrição e automedicação, fonte de consultas médicas e, mais do que tudo, uma forma de fé.
Saul Sternberg & Seth Roberts – Nutritional supplements and infection in the elderly:
Why do the findings conflict? Nutrition Journal 2006, 5:30.
Christine M McDonald e mais – Daily Zinc but Not Multivitamin Supplementation Reduces Diarrhea and Upper Respiratory Infections in Tanzanian Infants: A Randomized, Double-Blind, Placebo-Controlled Clinical Trial. J Nutr 2015;145:2153–60.
Alia El-Kadiki, Alexander J Sutton – Role of multivitamins and mineral supplements in preventing infections in elderly people: systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. BMJ, doi:10.1136/bmj.38399.495648.8F
Judith M. Graat, Evert G. Schouten, Frans J. Kok – Effect of Daily Vitamin E and Multivitamin-Mineral Supplementation on Acute Respiratory Tract Infections in Elderly PersonsA Randomized Controlled Trial. JAMA. 2002;288(6):715-721.
Marcado:Infecções respiratórias, Vitamina C, Vitamina D, vitaminas
Deixe um comentário